quarta-feira, 11 de junho de 2008

A AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA E UMA POLÍTICA DE CÉUS ABERTOS

Estaríamos conquistando problemas ou soluções?
Por Célio Eugênio de Abreu Jr.

Introdução
O
livro Handbook of Airline Marketing, editado pela Aviation Week Group em 1998, já abordava a questão relacionada com os Céus Abertos na América Latina de forma futurista. Nele se previa, inclusive, uma Aviação Civil sem fronteiras no Mercosul e o desejo das megacarries americanas de abocanhar uma grande fatia deste mercado promissor e em franco crescimento.

O tema Céus Abertos, nos dias de hoje, tem sido colocado na mídia de uma maneira pouco elucidativa e sem atrativos para uma discussão ampla e irrestrita, conforme cabe em um país democrático. Na minha modesta opinião, a sociedade brasileira ainda carece de conhecimento e informações suficientes no que concerne à Aviação Civil, nacional e estrangeira, para fazer juízo de valor a respeito dos prós e contras que uma decisão de abertura dos céus pode trazer.

Há um forte desejo do setor turístico do país em ver os céus do Brasil abertos, mas isto não pode nortear uma decisão de Governo que pode levar a parcela internacional da nossa Aviação Civil ao risco de experimentar um ambiente de terra arrasada em curtíssimo espaço de tempo. Seria uma tomada de decisão sob pressão e sustentada por uma visão monocular, num setor que tem influências multisetoriais, além de complexidade, variância e dinâmica próprias.

Sob o olhar externo
A grande crise pela qual passa a Aviação Civil dos Estados Unidos neste momento transfere o foco de sua atenção para países como o Brasil, a Índia e a China, com economias em franca ascensão, PIB com vistosos crescimentos e com um mercado de transporte aéreo ainda por ser mais bem explorado, na busca por lucratividade e domínio mercadológico em regiões do planeta que a atividade aérea ainda está longe de estruturar-se plenamente. Isto pode explicar, em parte, a força deste assunto na nossa mídia neste momento.

Uma Política de Céus Abertos leva o mercado a vivenciar brigas de gigantes contra nanicos, se levarmos em conta a receita em dólares americanos das companhias aéreas. No Brasil, qual seria a empresa aérea que disputaria em receita com uma British Airways, uma Delta Airlines, uma Air France/KLM, United Airlines ou uma American Airlines, as quais faturam mais de 20 bilhões de dólares/ano? Certamente nenhuma empresa nacional tem esta condição, até porque muitas das estrangeiras, especialmente as americanas, usufruem de benefícios governamentais que as companhias aéreas brasileiras não possuem.

Tradicionalmente, para os operadores aéreos internacionais, tanto a conquista como a consolidação de posições no disputadíssimo mercado de Aviação Civil normalmente é proveniente de processos lentos e graduais, os quais, não raro, demandam anos e anos para se transformar em realidade, e qualquer ação que altere repentinamente a política de regulação do setor, como é o caso dos Céus Abertos, pode causar profundos traumas ao sistema, podendo levar a soluções de continuidade e/ou ao enfraquecimento e fechamento das empresas concessionárias, as mesmas que têm a responsabilidade de representar com qualidade o Estado no papel de transportador aéreo público.

Uma das conseqüências mais comuns ocorridas nos países que adotaram Céus Abertos é a perda da identidade das empresas de bandeira, adquiridas por outros países, o que provoca uma transferência de divisas para o exterior que reflete negativamente na economia dessas Nações.

É inegável a importância da atividade aérea para a economia nacional e os benefícios que o modal aéreo traz para a vida cotidiana do cidadão, ao analisarmos a aviação pelo prisma de um transporte que pode ser massificado. Mas, infelizmente, esses temas são pouco explorados e somente os especialistas detêm o seu conhecimento, o que torna difícil um debate mais amplo da questão.

Na maioria dos países a aviação internacional é regida por acordos bilaterais, os quais determinam regras e limites para a ligação aérea entre nações, respeitando-se as características continentais, as sócio-culturais, as desigualdades de poderio econômico, a capacidade instalada da infra-estrutura aeroportuária e de navegação aérea e o princípio da reciprocidade. Até agora, corretamente, o Brasil tem se relacionado deste jeito.

Outras considerações
O mercado de aviação tem tanta sensibilidade aos percalços globais que o torna, de uma hora para outra, volátil o suficiente para experimentar problemas sérios. Entretanto, esta situação é de difícil percepção para quem não vive neste segmento econômico. Para se tentar novas fórmulas de competição no setor aéreo, por exemplo, há que se fortalecer a sua estrutura. E o princípio dos Céus Abertos é uma dessas fórmulas que só podem ser experimentadas, quando próprio, em Sistemas de Aviação Civil fortes, maduros, estabelecidos e robustos.

Na verdade, uma Política de Aviação Civil consistente, com objetivos claros e transparentes para todo o sistema faz-se extremamente necessário. Se bem formulada, a política em questão auxilia o equilíbrio sistêmico, permitindo que o mercado possa verificar tendências e fazer previsões mais acertadas, efetuando planejamentos de curto, médio e longo prazos factíveis, os quais têm a virtude de facilitar o cumprimento de metas e objetivos da atividade. Não há exploração comercial, regulação, fiscalização, nem muito menos uma vigilância continuada, apropriadas ao setor, sem uma política que norteie a todos os stakeholders e os mantenha dentro de um escopo definido de atuação.

A prosperidade no setor aéreo depende de muitas variáveis, muitas delas nascidas em países e ambientes distintos ao da aviação. Rememorando o passado recente, constatamos que a aviação mundial foi afetada por eventos como os da gripe aviária, terremotos, tissuname, furacões, ciclones, vulcões, guerras, terrorismo e recessão em países do desenvolvidos, para citar alguns.

Uma das expressões mais controversas quando se fala em Céus Abertos no transporte aéreo internacional é a Aviação de Cabotagem. A Convenção de Chicago, de 1944, que a trata como 9ª liberdade, diz o seguinte no seu ARTIGO 7º:

Cabotagem
“Cada um dos Estados contratantes terá o direito de negar às aeronaves dos demais Estados contratantes permissão para tomar em seu território, contra remuneração ou frete, passageiros, correio ou carga destinados a outro ponto de seu território. Cada um dos Estados contratantes se compromete a não estabelecer acordos que especificamente concedam tal privilégio a título de exclusividade a qualquer outro Estado ou a uma empresa aérea de qualquer outro Estado, e se compromete também a não obter de qualquer outro Estado algum privilégio exclusivo desta natureza”.

Assim, nota-se que a própria Convenção veda a concessão unilateral de privilégios de cabotagem a empresas ou países específicos. Seriam aceitos, portanto, acordos (bi ou multilaterais) que respeitem o princípio da reciprocidade, bem como a abertura geral do mercado.

Contudo, não é somente a cabotagem que influencia esta questão. O princípio básico da falta de acordos na abertura de céus libera o uso do espaço aéreo de tal forma que sempre ganham a melhor fatia do mercado de passageiros e cargas as maiores e mais poderosas empresas de aviação. Na verdade, como já apontado anteriormente, esta briga deveria ser exclusividade dos semelhantes, ou seja, daqueles (países e companhias aéreas) que têm poder equivalente, até porque a disputa entre empresas aéreas fortes e fracas é tão desigual que não fica difícil prever que as mais poderosas sempre saem vencedoras e as outras chegam à beira do fim, senão ao próprio. Os países e as empresas mais fortes sempre serão privilegiados. A bem da verdade, a cabotagem é o grau mais elevado de abertura de um mercado à concorrência extraterritorial.

A prática de Céus Abertos entre os EUA e a Europa: os problemas já emergem
A partir de março de 2008, começou a vigorar o Tratado de Céus Abertos entre os Estados Unidos e a Europa, e o conseqüente fim dos acordos bilaterais entre eles, fato que liberou as empresas de ambos os lados a realizar quantos vôos desejarem ligando uma região à outra.

Mesmo com o aparente equilíbrio de forças que há entre estas regiões e suas empresas aéreas, os problemas já estão surgindo. A British Airways, tradicional empresa britânica, simplesmente desconsiderou a existência de suas co-irmãs européias e tenta costurar um acordo de cooperação internacional com a American Airlines e com a Continental, duas gigantescas empresas do mercado americano de aviação, numa clara tentativa de conquistar supremacia na lucrativa rota transatlântica entre os EUA e a Europa.

E somente o anúncio desta tentativa de acordo já gerou reação: a Virgin Atlantic, empresa do mega-empresário Richard Branson, protestou contra a situação, prometendo combater a idéia utilizando todos os seus recursos. O CEO da Virgin Atlantic alega que este acordo é anticompetitivo e vem de encontro aos interesses tanto dos usuários ingleses como dos americanos. Na prática, este tríplice acordo reduziria a competição sobre o Atlântico Norte, o que é considerado nocivo ao interesse público, na opinião de Branson.

Outro sinal de destruição atribuído ao Tratado de Céus Abertos EUA/Europa foi a suspensão das atividades da companhia aérea britânica Silverjet que, após 16 meses de operação na rota London/New York City, fazendo vôos especiais para executivos, não suportou a pressão da poderosa concorrência das megacarries de superfaturamentos.

Conclusão
H
á que se ter cuidado com a implantação de um regime de Céus Abertos em mercados de Aviação Civil, em qualquer parte do mundo, notadamente em regiões que concentram um alto número de países em desenvolvimento, como é a América Latina. O espírito de globalização que vem tomando conta do planeta há alguns anos, não é uma panacéia, não deve ser aceito em muitos setores da economia e não vai salvar o Universo de todos os seus males.

A Aviação Civil, pela sua sensibilidade, necessita de segurança regulatória, operacional e econômica apropriadas, a fim de poder prosperar de forma sustentada e oferecer ao usuário, o real beneficiário deste bem público que é a concessão de linhas aéreas, serviços de qualidade que garantam ao país um transporte aéreo que permita ajudá-lo a se tornar uma Nação independente, próspera e respeitada no cenário internacional.

Enfim, com uma Política de Céus Abertos estaríamos conquistando problemas ou soluções? Para mim, somente problemas.

segunda-feira, 28 de abril de 2008

ATM – Air Traffic Management

O sistema “pede” uma revisão no conceito de soberania do espaço aéreo
por Célio Eugênio de Abreu Júnior

Há muito que se comemorar na indústria de aviação. Desde a realização do sonho de voar, há 100 anos atrás, e do advento da aeronave a jato, há 50 anos, este setor vem sendo responsável por 32 milhões de empregos e movimenta 3,5 trilhões de dólares americanos na atividade econômica mundial. Os seus registros de Segurança Operacional causam inveja à maioria das atividades críticas em Safety Management ao redor do mundo. As projeções de crescimento do número de passageiros a transportar são promissoras, saindo dos atuais 02 bilhões para 2.5 bilhões/ano em 2010, com expectativa de se atingir 4.5 bilhões/ano em 2025.

Sem medo de errar, podemos afirmar que a aviação sustenta a economia global nos dias de hoje. Contudo, os congestionamentos, os atrasos e as questões ambientais ameaçam se tornar o calcanhar de Aquilles da atividade, a menos que se faça algo diferente.

O foco da indústria – empresas aéreas, aeroportos e provedores de serviços de navegação – tem que ser o de aumentar a eficiência e o de implementar a performance operacional. Todavia, isto não será suficiente. Nem o investimento em infra-estrutura trará tranqüilidade ao setor, tendo em vista o explosivo crescimento previsto para ele.

Assim sendo, o ATM – Air Traffic Management – para tratar da Segurança Operacional e dos congestionamentos nos céus, vai requerer mudanças de paradigmas na forma de se prover os serviços de navegação aérea, para permitir uma maior eficiência no uso do espaço aéreo.

O Sistema ATM do futuro necessitará ser baseado em satélites e centrado nas aeronaves, de forma a voarem bem mais próximas uma das outras e em rotas mais curtas e diretas, mantendo-se um ambiente operacional harmonioso e seguro. Neste novo ambiente de vôo, intensivo em informação, o controle de tráfego aéreo tornar-se-á menos intervencionista na hora de ordenar e coordenar as aeronaves, permitindo, o máximo possível, a liberdade, a eficiência e a efetividade na operação e na organização do espaço aéreo.

Então, o que pode travar este progresso? Surpreendentemente, muito do que se necessita fazer já foi feito e aceito pela ICAO – International Civil Aviation Organization. Os problemas, agora, começam com a resistência dos seus Estados-membros em aceitar uma compreensão mais amadurecida do que é soberania do espaço aéreo.

Soberania refere-se ao direito exclusivo das decisões e do controle político do Estado sobre o seu território e sobre o espaço aéreo acima dele. É considerado um ato de soberania a propriedade deste espaço aéreo e as decisões relacionadas com a maneira que os serviços de navegação aérea nele são providos. Porém, o Gerenciamento do Tráfego Aéreo (ATM), hoje em dia, é extenso o suficiente para atravessar fronteiras nacionais, mas a obsessão dos países por uma noção de soberania própria, e quase imutável, torna-se uma barreira para o aprimoramento e para a eficácia deste gerenciamento.

A iniciativa européia em não fragmentar o espaço aéreo para melhorar a performance do ATM, via criação de Blocos Funcionais de Cruzamento de Fronteiras nos céus europeus, tem caminhado progressiva, mas lentamente, por culpa das políticas de soberania. Nos Estados Unidos, o ATO (Air Traffic Organization) da FAA – Federal Aviation Administration – continua sem uma fonte independente de receita, e os fundos para a implantação de novas tecnologias no Sistema de Controle do Espaço Aéreo parecem que não serão obtidos com facilidade devido ao sentimento do Congresso Nacional americano de que é dele a soberania para gerenciar os serviços de navegação aérea. A tragédia das torres do WTC, em 11 de setembro de 2001, ainda tem muita influência neste tipo de resistência.

A visão da CANSO – Civil Aviation Navigation Services Organization – a respeito de um Sistema de Aviação integrado, equilibrado e interoperativo é de que este é muito dependente de uma compreensão amadurecida do conceito de soberania adotado por cada Estado. Bem atender a demanda do usuário, com um Serviço de Navegação ininterrupto e sustentado por um ambiente operacional amistoso e harmônico, pede liberdade. E este entendimento não requer qualquer tipo de apêndice à Convenção de Chicago, segundo Alexander ter Kuile, Secretario Geral da CANSO.

Dentro da ICAO há consenso de que o ATM precisa ser organizado funcionalmente. Igual força consensual também tem a idéia de que o espaço aéreo global requer uma organização sustentada além dos limites das fronteiras nacionais, consubstanciada e delineada nas exigências operacionais e na natureza da estrutura do tráfego em rota de cada país.

Autonomia para os Air Navigation Services Providers (ANSP) – Provedores de Serviços de Navegação Aérea –, e sua separação da função de supervisores da regulação do setor, também é bem definido no material-guia da ICAO. É evidente que uma maior autonomia operacional e financeira para a ANSP deve ser encorajada, sob uma abordagem de negócio, a fim de se conquistar uma melhora na qualidade dos serviços. Posterior a isto, será necessária a criação de um guia de cobrança pelos serviços prestados, permitindo aos provedores de serviço de navegação aérea a recomposição dos seus custos.

Na verdade, o ATM deve ser liberado para organizar e operar de maneira tal que permita o seu aperfeiçoamento, num ambiente mais harmonioso, seguro, eficiente e com um custo-benefício mais apropriado. A indústria da aviação, que vem sendo um dos sustentáculos do processo de globalização, deve considerar, com seriedade, a sua própria globalização através da ampliação consensuada das fronteiras do Air Traffic Management.

Dentro desta filosofia, torna-se evidente a necessidade de revisão dos conceitos de governança internacional da Aviação Civil. É tempo do sistema se liberar de antigos paradigmas, os quais têm embutidos noções e situações de relevância que serviram de base para a aviação do século passado, e que não servem mais para a atual. Há que se iniciar este processo pela adoção de um entendimento mais amadurecido do conceito de soberania dos Estados sobre os seus espaços aéreos, a fim de que a Gestão do Espaço Aéreo, no Sistema de Aviação Civil do novo século, possa estar totalmente alinhado com as realidades política, econômica e social do atual mundo globalizado.

Devemos estar atentos para um importante detalhe: nenhum sistema complexo, tal qual o da aviação, pode operar com harmonia, tendo de um lado idéias e conceitos supra-estatais modernos, e do outro lado uma prática operacional defasada por não acompanhar a modernidade que a globalização requer.

Os Estados-membros da ICAO e a indústria da aviação, em muitas questões, ainda estão se movimentando com “velocidades” díspares. Algo deve ser feito, com celeridade, para que os “ajustes de velocidade” sejam feitos com a precisão que os tempos atuais estão exigindo, e antes que a defasagem seja tão acentuada que torne o trabalho de ajuste mais difícil.

Baseado em artigo do ICAO Journal Vol. 63, No 1

sexta-feira, 25 de abril de 2008

CULTURA ORGANIZACIONAL NA AVIAÇÃO CIVIL BRASILEIRA

A busca da Cultura Produtiva: O estado-da-arte
por Célio Eugênio de Abreu Júnior

Introdução
A
questão cultural ainda é fonte de inúmeras discussões e de pesquisas científicas, requerendo a atenção de especialistas em comportamento humano.

Werner Jaeger, por exemplo, um dos estudiosos da matéria, definiu cultura como um modo consciente e praticado de princípios formativos do homem e de seu espírito. Considerou-a como sendo a educação representativa do sentido de todo o esforço humano e a totalidade das manifestações e formas de vida de todos os povos da terra, incluindo-se os primitivos.

Como Jaeger, outros autores, ao redor do mundo, já definiram cultura e vem alertando, através dos tempos, sobre a sua importância no âmago de qualquer sociedade, especialmente as que dependem de desempenhos coletivos para conquistar os seus objetivos.

É certo que ela sempre será um fato inexorável no meio dos grupos sociais, independente das vontades e dos desejos. Por isso, ou se constrói uma cultura ou ela se auto-constrói, muitas vezes sem governo ou direção. E é a partir deste ponto que a Cultura Organizacional, como fonte de vida para todas as empresas, deve ser discutida, a fim de conquistar a merecida atenção. E, assim, a proposta deste artigo, é direcionar o foco das discussões para as organizações que integram o Sistema Brasileiro de Aviação Civil, porquanto, dentre elas, a culturalidade ainda alimenta retrocessos e falta de modernidade funcional.

No Brasil, apesar dos avanços tecnológicos, e alguns outros no nível gerencial, muitas empresas aéreas acreditam que a sua Cultura Organizacional vai sendo construída sem projetos, sem planejamento, sem coordenação, sem capacitação, sem motivação, sem gerência especializada e sem investimentos em recursos humanos e sociais. Em suma: sem uma moderna Gestão de Pessoas, ágil e competente na assessoria da Gestão Administrativa. Com isto, é perdida a percepção de que a Cultura Organizacional é edificada por paradigmas valorativos estruturantes, capazes de determinar o rumo das relações internas e externas da instituição e, igualmente, o rumo dos seus negócios num mercado competitivo.

A aviação é um bem público, e como tal deve ser tratado. Por isso, espera-se das organizações integrantes do Sistema Brasileiro de Aviação Civil um investimento planejado em recursos humanos, ação esta que dá qualidade à prestação dos serviços aéreos e produtividade ao capital investido. Procedendo assim, estas organizações ainda provocam o aumento do nível de satisfação do usuário deste modal de transporte, transformando-o em cliente co-mantenedor da boa saúde econômica do setor.

Visão Histórica
A cultura, como ciência, passou a ser estudada nos séculos XVIII e XIX, ocasião em que os europeus observaram comportamentos inusitados entre os povos polinésios e no meio da casta dominadora do Império Chinês, grupos que passaram a ser qualificados de irracionais, no Velho Continente. Para os europeus, tudo fazia crer que havia algo diferente e incompreensível nesses ambientes sociais, o que levava os seus integrantes a manter um estilo comportamental pouco aceitável para os padrões da época.

Anos depois, já na década de 70, Cleverley dizia: “O homem como administrador, tal como em qualquer outro contexto, é um ser irracional” (CLEVERLY, Graham - 1971 – Managers and Magic; Longman Group Ltd, London, pág. 5).

Esta afirmação tem a propriedade de, em primeiro plano, levar-nos a perceber o grau de importância que a administração organizacional tem para as pessoas, quando reunidas em sociedades de qualquer espécie. E no plano secundário, nos permite o entendimento do porquê de cuidados específicos com os comportamentos sociais em estruturas grupais, tendo em vista que eles, os comportamentos, são os maiores responsáveis pela integração ou desagregação intra corpore e pela criação dos limites da boa convivência, os quais, se reconhecidos e respeitados, facilitam a construção de uma cultura que leve à conquista dos objetivos institucionais comuns.
Historicamente, a aplicação do enfoque antropológico nas organizações explica a Cultura Organizacional como conseqüência de atos coletivos que trazem benefícios a todos e que, quando canalizados para a produtividade, resultam em satisfação profissional, além de implementar a eficácia e a lucratividade da atividade empresarial.

Resistência, rejeição e inadaptação são algumas das palavras que a tentativa de se fazer mudanças na Cultura Organizacional faz emergir do vocabulário humano, notadamente nas instituições com alto grau de corporativismo. Porém, o homem, por natureza, sempre clama por ações evolutivas, expressão que presume tanto uma intra como uma intercomunicação efetivas, flexibilidade de raciocínio e comportamental, além da busca pelo movimento como forma de manter as organizações em sintonia permanente com a realidade. E a aviação, naturalmente, vive do movimento e para o movimento, e assim deve ser compreendida para que se mantenha como atividade econômica essencial e estratégica. Entretanto, isto a faz refém de Culturas Organizacionais Produtivas, as que têm na evolução o seu paradigma valorativo estruturante, sob pena da perda do rumo correto e do descolamento do mundo real.

Nas discussões contemporâneas, a experiência histórica ajuda a trazer à tona, e a inserir na formação cultural das organizações, a rediscussão de elementos culturais centrais, como a livre iniciativa, a competição e o alto risco de um negócio, quando ele só está voltado para o lucro.

Na verdade, no meio aeronáutico, o que a administração das organizações deve aprender é o modo cultural de se lidar corretamente com a dicotomia que a atividade aérea traz à tona: a excelência técnica ou a excelência no gerenciamento de pessoas e recursos? Ambas, responderia um especialista em Recursos Humanos, moderno e atualizado, pois a aviação exige mobilidade.

Então, o desafio é conquistar o equilíbrio. Afinal, desequilibrada, a Cultura Organizacional realmente passa a ser um problema, quando deveria ser a solução.

Buscando o Estado-da-Arte: A Cultura Produtiva
O
objetivo deste texto, então, é apontar um caminho para que as estruturas organizacionais combatam os fatores que as afastam de uma Cultura Organizacional Produtiva, deixando de acompanhar a evolução natural das coisas.

Os especialistas consideram a Cultura Organizacional Produtiva capaz de transformar possibilidade em realidade, pela sua flexibilidade e aceitação consciente, natural e ordenada, de paradigmas, valores e princípios básicos, os quais, disseminados no seio do grupo administrativo-funcional, constroem e sustentam o sucesso empresarial, especialmente num ambiente complexo como o aeronáutico.

A Cultura Organizacional Produtiva aceita várias subculturas e vive da compreensão correta da missão organizacional pelo grupo funcional, facilitando o seu cumprimento através de uma atuação profissional integrada e complementar, que evita desvios intencionais dos projetos e processos em andamento ou já implantados, pelo simples fato de todos estarem comprometidos com o bom resultado empresarial.

Esta cultura trabalha com o oferecimento ao grupo funcional da opção de ser o agente do sucesso organizacional, ao permitir-lhe buscar a gerência adequada das diversas situações cotidianas, pela sua capacitação e competência, na certeza de que os atos equivocados, que porventura ocorrerem ao longo dos trabalhos, não serão tratados de forma punitiva. Em primeiro plano os erros serão gerenciados, para evitar conseqüências indesejáveis, posteriormente servindo de aprendizado para atitudes preventivas no futuro. É a Cultura Justa agregando-se à Produtiva, como uma de suas subculturas. O investimento nos Recursos Humanos, para se atingir este estágio, torna-se essencial.

Todavia, há que existir uma forma de acompanhamento e ajuste às várias mudanças ocorridas no processo evolutivo da vida humana e da vida organizacional para se construir uma Cultura Organizacional que leve ao sucesso.

E a resposta ao questionamento feito a seguir, talvez ofereça a possibilidade de entendimento dos caminhos a serem seguidos para se chegar ao estado-da-arte: uma Cultura Produtiva.

Mudança de Cultura ou Cultura da Mudança?
U
ma organização, ao transformar-se numa cultura, cria um conjunto de ações relativas ao seu posicionamento externo, à sua coordenação interna, ao seu caráter ideológico, ao seu padrão comportamental e à forma de gerência dos seus recursos, os quais proporcionam e determinam a sua sobrevivência, a sua manutenção e o seu crescimento.

Estas ações são executadas, testadas e avaliadas. A partir daí, são retidas e transmitidas, socialmente, como o modo adequado de se tratar as questões de ajustamento externo e relacionamento interno. Ou seja, torna-se o padrão desejável e recomendado de pensar, de agir, de sentir, de fazer e de ser, no ambiente institucional. É a Cultura Organizacional no comando das ações funcionais na empresa.

Decisões em ambientes organizacionais complexos, como o da aviação, devem ser simples, claras e objetivas, para que não venham a ser consideradas um problema a mais. Aliás, intra corpore, a cultura nunca dever ser vista como um problema, sob pena da criação, silenciosa, de uma subcultura negativa, a informal, a qual não vai ao encontro nem das expectativas nem dos objetivos da empresa, por estar baseada em desvios da cultura formal.

Para que possamos responder a pergunta em epígrafe – Mudança da Cultura ou Cultura da Mudança? – devemos compreender as razões pelas quais temos que nos preocupar com a Cultura Organizacional, a fim de resgatarmos a figura dos fenômenos culturais e comportamentais na história do homem, buscando verificar porquê, como e quando este homem aceitou rever a sua cultura e, conseqüentemente, o seu comportamento individual e/ou coletivo frente a essas mudanças históricas.

Permanência & Mutação
A
visão moderna e antropológica da Gestão de Pessoas, ao buscar entender esses fenômenos, define que a mudança é o estado próprio de ser das coisas, dos indivíduos, dos processos, dos lugares e, enfim, do mundo (grifos do autor). Isto provoca o estabelecimento de um binômio indissolúvel, de permanência e mutação, que proporciona uma situação de segurança no constante mudar, caracterizador da Cultura da Mudança, aquela que evitará a constante Mudança da Cultura, esta sim, a que sempre carrega em seu bojo alguns estados emocionais como o de medo, de insegurança, de frustração e de raiva acompanhadas de todas as suas conseqüências danosas.

Na atividade aérea a profunda familiaridade com todo e qualquer tipo de mudança – de pessoas, de local de trabalho, de aeronaves, de processos, de produtos, de chefes, de organogramas, de país, de fuso-horário, etc. – é uma constante. Afinal, na aviação o mudar é permanente. A falta de mudanças na atividade aeronáutica deve ser motivo de estranheza. E é nisto que as empresas ligadas a este tipo de atividade devem se basear para construir a Cultura da Mudança, na certeza de que nela encontrarão a desejável conectividade com a realidade cotidiana e com a verdade mercadológica as quais vivem em mutação evolutiva e as oferecem os sinais corretos para as devidas correções de rumo e rotas, na permanente busca de novos horizontes, situação tão comum nos vôos alçados pelas aeronaves comerciais.

Entretanto, a Cultura da Mudança não se constitui somente das coisas que se alteram. Ela também tem fundamento na permanência (grifo do autor), quando trata do conhecimento e da preservação do produto que a empresa oferece, do seu processo de produção, da sua qualidade, das relações de respeito profissional e dos bens intangíveis, como a Segurança Operacional, no caso da aviação. Há coisas fundamentais que devem ser mantidas no espectro da permanência, por levar aos clientes internos e externos a sensação de que há competência e segurança na empresa que depositam sua confiança. E, não muito raro, até transcendendo estes aspectos, pois quando a bordo dos aviões de carreira os clientes acreditam estar entregando as suas próprias vidas aos que estão no comando dessas aeronaves. Vale lembrar que, para o universo das pessoas, não é válida a realidade dos fatos, mas, sim, como eles são vistos e percebidos por elas. (grifo do autor)

Na Cultura da Mudança, dado que o substrato emocional é garantido – as relações de pertinência, de inclusão, de auto-respeito, de comunhão de valores, de entendimento dos objetivos comuns, da compreensão do que é individual e/ou coletivo – não há porque se apegar às condições materiais e concorrências internas, normalmente destrutivas, desagregadoras do grupo funcional e provocadoras do afastamento da organização de uma percepção mercadológica correta, fatores primordiais para a manutenção da sua conexão com a realidade cotidiana de sua atividade fim.

Numa situação organizacional como esta, a da construção de uma Cultura da Mudança, observa-se uma grande flexibilidade na resposta às mudanças nos ambientes externos – mercados, sociedade, governos – atingindo-se um estado de adaptabilidade superior ao de uma simples adaptação, a qual presume, inicialmente, uma resistência ao novo.

A adaptabilidade, ao contrário da adaptação, consiste na condição de reorganizar-se, constante e continuamente, diante de incentivos e constrangimentos que são provocados pelo meio-ambiente externo, proporcionando um nível ótimo de trocas com ele, situação que oferece harmonização e equilíbrio rápidos, entre os meios interno e externo, garantindo a perenidade da organização através das práticas de sedimentação de uma Cultura da Mudança.

A Cultura da Mudança requer uma moderna e eficaz assessoria de especialistas em Gestão de Pessoas, que ensine a quem tem nas mãos a Gestão Administrativa os caminhos da harmonia funcional, intra e intergrupal, freqüentemente atrelada a vícios gerenciais ultrapassados.

Conclusão
A
sobrevivência e a evolução da espécie humana é mais bem compreendida quando pressupomos um processo conjunto de transformações culturais, biológicas e ambientais. E é através do comportamento cultural que a espécie humana relaciona-se com o meio ambiente e, nele, modifica sua biologia e reavalia sua cultura e o seu próprio habitat, o que, por si só, já valida todo e qualquer processo mutacional.

A Cultura Organizacional, quando baseada em princípios sólidos de respeito, valores e crenças individuais e/ou coletivas, compreendidas e aceitas pelo grupo social que a compõe, tem o apoio necessário para a construção de uma Cultura da Mudança, pois esta sabe distinguir permanência de mutação, abrindo espaço para o acompanhamento da evolução organizacional, tal qual ocorre com o mundo real, aquele que a espécie humana é dependente e que a obriga a aceitar a sua mutação para nele bem viver.

Abrir espaço para a Cultura da Mudança, enfim, é o passo inicial para se construir uma Cultura Produtiva, esta sim o necessário combustível para que as organizações ligadas ao Sistema Brasileiro de Aviação Civil possam alçar vôos cada vez mais altos e seguros. Enfim, que se busque, incessantemente, o estado-da-arte em termos de Cultura Organizacional. Com isto, todos sairão vencedores.

segunda-feira, 3 de março de 2008

AUDITORIAS DE SEGURANÇA OPERACIONAL DA ICAO

A HORA E A VEZ DO DEVER DE CASA
por Célio Eugênio


A Conferência de Diretores Gerais de Aviação Civil, ocorrida em Montreal em março de 2006, patrocinada pela ICAO (International Civil Aviation Administration), teve entre os seus objetivos principais a formulação de uma estratégia global para a Segurança da Aviação Civil no Século 21. A aceitação de uma ferramenta mais acurada de aferição do nível de Segurança Operacional tomou corpo e vulto na Conferência, especialmente porque há países nos quais a prática da vigilância operacional ainda não tem muito eco.

Como conseqüência desse evento, a maioria dos signatários da Convenção de Chicago de 1944, membros da ICAO, responderam positivamente à proposta de se divulgar no portal público desta organização internacional, na Internet, o Programa de Auditorias Universais de Supervisão da Segurança Operacional (Universal Safety Oversight Audit Programme – USOAP) e seus resultados.

Como a transparência e o intercâmbio de informações de safety são atributos fundamentais para se manter um sistema de transporte aéreo seguro e eficiente, esta atitude dos Estados-membros veio somar-se ao esforço de aprimoramento do Sistema de Aviação Civil Internacional.

É certo que a divulgação dos resultados das auditorias da ICAO, levadas a cabo ao redor do mundo, vai expor as mazelas dos que não cumprem o que recomenda a organização. Mas, na verdade, caro leitor, não se pode mais ser complacente com baixos índices de Segurança Operacional, independentemente da importância política do país no contexto global, da sua posição geográfica e das suas condições econômicas para manter seu espaço aéreo, notadamente se este espaço aéreo for de relevância internacional e controle um grande fluxo de aeronaves.

O fortíssimo crescimento da Aviação Civil nos últimos anos vem requerendo, cada vez mais, bons planejamentos, inteligência ao implantá-los, disciplina na condução dos procedimentos operacionais e uma boa gama de determinação e de ousadia na execução de programas de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, de treinamento, de capacitação continuada e de processos que garantam a supervisão do sistema.

Apesar de uma Auditoria Universal de Supervisão da Segurança Operacional ser efetiva na identificação e promoção de ações corretivas sistêmicas, ela não deve ser vista como um fim em si mesma. Igualmente importante é o desenvolvimento da habilidade em promover os melhoramentos recomendados por ela. A alocação de recursos para remediar os problemas processuais sistêmicos, por exemplo, deve ser avaliada e controlada cuidadosamente, tendo em vista que a desproporcionalidade no montante financeiro e no capital humano a serem aplicados para as correções apontadas poderá agravar a situação ao invés de aperfeiçoá-la.

Processos incompletos e programas e projetos parcialmente realizados são, normalmente, introdutores de patologias administrativo-operacionais em qualquer Sistema de Aviação Civil, por trazerem a ele solução de continuidade e dificultarem a construção de uma infra-estrutura de apoio adequada à demanda da aviação do país, o que geralmente compromete a Segurança Operacional.

Atualmente, a experiência da implantação do SMS – Safety Management System – na indústria de aviação tem demonstrado que este é um bom caminho para se conquistar efetividade nas ações de segurança.

Alguns organismos de regulação e fiscalização da Aviação Civil, de países-membros da ICAO, vêm melhorando o seu desempenho ao utilizarem o SMS para buscar meios de aperfeiçoamento e otimização da sua força de trabalho, que muitas vezes por ser reduzida não consegue exercer a melhor supervisão sistêmica.

Na verdade, o SMS melhora o nível de supervisão porque é um caminho promissor para se obter cooperação e comprometimento dos elos do sistema com o nível de Segurança Operacional, em função da responsabilidade de cada um deles com o cumprimento de tarefas, muito pelo fato de bem entenderem a filosofia do sistema e o impacto que suas ações podem causar no resultado final desejado por ele.

Infelizmente, o Brasil ainda encontra-se atrasado no que se refere à implantação do SMS nos vários segmentos do seu Sistema de Aviação Civil. Há que existir uma significativa disposição coletiva para que, num curto espaço de tempo, possamos implantar o SMS de maneira sistêmica e ordenada. Isto para que, a partir daí, passemos a ter condições de gerenciar melhor a Segurança Operacional na nossa indústria de aviação, tornando-a plenamente cumpridora dos requerimentos da ICAO. É preciso contaminar o sistema com um choque de disposição gerencial.

Atualmente, é preciso rever os planejamentos, projetos e processos do setor aéreo global, ajustando-os à realidade e à velocidade de mudança que ele tem se imposto, notadamente no que se refere à intensidade de mão-de-obra, de capital e de tecnologia.

Não cabe mais o “não saber” com a quantidade e a qualidade das informações disponíveis no dia-a-dia da aviação. Menos ainda está cabendo o “não fazer” num Sistema de Aviação Civil que almeje ser de ponta: seguro, eficaz, econômico, de baixo custo e que atenda as cobranças de um usuário cada vez mais exigente.

E para atender a esta demanda diferenciada, os administradores do sistema têm que se modificar a ponto de vivenciar uma gestão mais ágil e moderna do negócio-aviação, a qual englobe uma gerência de risco aperfeiçoada e capaz de manter os índices de Segurança Operacional controlados, conforme propõe um SMS eficiente.

Não dá mais para sermos dramaticamente lembrados das deficiências sistêmicas da Aviação Civil somente por ocasião de acidentes fatais que ocorram mundo afora. E o mais triste é que, muitas vezes, os problemas que levam às tragédias aéreas já foram apontados anteriormente por auditorias da ICAO, notadamente no que tange às falhas latentes, organizacionais e sistêmicas.

Os Sistemas de Aviação Civil não precisam ceifar mais vidas, que poderiam ser poupadas, para passar a acreditar que somente as melhores práticas administrativo-operacionais os levarão a manter os níveis de Segurança Operacional dentro de limites aceitáveis.

Enfim, é hora de todos os países-membros da ICAO fazerem o seu dever de casa, implantando Safety Management Systems comprometidos com a prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, ou ainda teremos que lamentar, por um longo tempo, perdas materiais e humanas passíveis de serem evitadas.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

A PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS PROBLEMÁTICAS NO AMBIENTE DE AVIAÇÃO

UM DESAFIO PARA TODO O SISTEMA

O uso inadequado de medicamentos ou qualquer outro tipo de droga, no transporte aéreo, é uma preocupação perene para as autoridades e os operadores do setor.

Por esta razão, certas instituições de classe, como a IFALPA, International Federation of Air Line Pilots Association, a qual representa mais de 100 mil pilotos em todo o mundo, encorajam um ambiente de Aviação Civil livre do uso de substâncias consideradas problemáticas. Entretanto, independente da ambiência, sempre há ou haverá alguém desenvolvendo o uso desses tipos de substâncias, seja por problemas de foro pessoal, seja pela pressão social que a vida contemporânea exerce sobre os indivíduos, ou por ambos.

É do conhecimento geral que quanto mais cedo se reconhece e se trata esse tipo de problema melhor será o resultado final obtido. Corroborando com esta afirmação, todos sabem que é unânime a opinião, por exemplo, de que se há um programa de prevenção ao alcoolismo sendo implementado, em uma organização ou em uma comunidade, o desenvolvimento do hábito do consumo de bebidas alcoólicas tende a se reduzir e o nível de sucesso dos tratamentos em curso também tende a aumentar.

A IFALPA declarou recentemente que, no seu ponto de vista, é assim que a questão deve ser abordada, no caso dos pilotos. Para a Federação, qualquer tentativa de se tratar o assunto profissionalmente deverá se basear em programas de prevenção capazes de reconhecer precocemente uma tendência ao uso abusivo de substâncias problemáticas. E estes programas também devem abrigar disparadores de processos de intervenção, com a finalidade precípua de se interromper o desenvolvimento de hábitos inadequados ligados ao uso de drogas nocivas à saúde, lícitas ou não.

Com o rótulo de “solução” para esse problema, surgiu há alguns anos, o teste randômico de reconhecimento do uso de drogas. Entretanto, na opinião da IFALPA, este tão propalado teste aleatório de detecção de drogas e substâncias problemáticas não previne o seu uso, nem auxilia a abandoná-las os que já as utilizam, fazendo dele um instrumento carente de eficácia e distante de se tornar uma solução para a questão.

Esta é a razão pela qual a IFALPA é totalmente contra a aplicação desses testes em pilotos, sem que um programa de orientação e apoio aos usuários e de recuperação dos dependentes seja paralelamente desenvolvido. O teste, isoladamente, só serviria para estigmatizar pessoas as quais já estariam sob o jugo de uma patologia, ou seja, sem condições de discernir entre o bem e o mal para a sua saúde. Vale ressaltar que muitos dos acometidos por essa doença certamente teriam plena capacidade de abandonar o uso das drogas, sob supervisão de especialistas, o que lhes daria a condição de serem reconduzidos ao trabalho produtivo, com grande chance de sucesso.

Entretanto, caso este teste venha a ser aprovado pelas autoridades e utilizado pela Aviação Civil de algum país, a IFALPA advoga que, independente do resultado, este não seja um ato punitivo, mas, ao contrário, seja um identificador daqueles que necessitam de tratamento apropriado. Faz-se necessário enfatizar que o uso e a dependência de substâncias problemáticas devem ser classificados como patologias, as quais requerem diagnósticos e tratamentos supervisionados, além de programas de reabilitação com vistas à recondução ao ambiente de trabalho dos profissionais recuperados.

A IFALPA declara que a aplicação do teste para detecção de substâncias problemáticas deve restringir-se aos processos de:

· Seleção;
· Investigação de acidentes;
· Retorno ao trabalho após o cumprimento de um programa de reabilitação, e;
· “Razoável suspeita de uso”.

Quanto ao último processo abordado, o de “razoável suspeita de uso”, deve-se ter critérios e procedimentos formulados por especialistas em medicina (clínico-geral, psiquiatra, psicólogo e outros), a fim de se tornarem válidos, informativos, educativos e tão transparentes quanto requer uma questão sensível como esta.

Outra face do uso de drogas problemáticas, extremamente nefasta, é o hábito da automedicação. Até porque, este hábito pode ser proveniente de uma patologia conhecida como hipocondria, que é a mania de se sentir doente e, conseqüentemente, de se tomar como correto o consumo de remédios sem orientação médica.

A maioria dos profissionais de aviação que se automedicam desconhece totalmente os efeitos colaterais das drogas que utilizam. Isto os deixa vulneráveis o suficiente para perderem a agudez da percepção, a normalidade de atuação dos sentidos e a consciência situacional durante a operação aérea, situações que podem transformar a automedicação em fator contribuinte para um incidente ou um acidente aeronáutico, especialmente no caso dos pilotos.

Desde um “inocente” relaxante muscular aos anti-histamínicos, antigripais, ansiolíticos, barbitúricos, analgésicos opiácios e seus derivados, há uma legião de medicamentos que pode influenciar o desempenho humano, notadamente quando este requer atributos individuais ligados à cognição e às habilidades técnico-motoras apuradas, como é o caso das exigências encontradas na atividade específica do aviador.

Tenha sempre em mente que, da mesma forma que comandar aviões é tarefa para pilotos habilitados e qualificados, a prescrição de remédios é tarefa exclusiva de médicos detentores de registro no CRM. Por isto, rejeite a automedicação e seja um ativo agente propagador desta idéia.
Por fim, o objetivo deste artigo é auxiliar no trabalho de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, já que o combate ao uso de drogas problemáticas no ambiente de aviação deve ser uma obrigação de todos que a ela estão ligados.

Ajude, você também, a combater o uso de drogas e a automedicação. O SIPAER - Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos - agradece.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

AEROPORTOS

O Problema das Ocorrências de Solo, Incidentes e Acidentes de Rampa

As rampas dos aeroportos correspondem às áreas operacionais dos pátios de manobras, estacionamento e permanência de aeronaves. E em muitos sítios aeroportuários elas são áreas confinadas e congestionadas o suficiente para se tornarem espaços propensos a ocorrências de solo, incidentes e acidentes, eventos que, se ocorrerem, impõem um alto custo financeiro à indústria aeronáutica pelos prejuízos a pessoas e equipamentos que eles podem causar.

Quase todos os estudos e pesquisas relacionados com estes tipos de eventos levam-nos a concluir que além de normas, procedimentos e treinamentos adequados, uma mudança na Cultura Organizacional das companhias aéreas, das empresas de serviços auxiliares e das administrações aeroportuárias faz-se urgente, como forma de focar o trabalho coletivo e individual em ações preventivas e na criação de um sistema de segurança e vigilância apropriados, sempre buscando manter a integridade das pessoas e materiais que constroem o dia-a-dia do ambiente de rampa dos aeroportos.

Um dos estudos mais completos e interessantes sobre a questão que eu tenho conhecimento foi feito em 2004 pela FAA – Federal Aviation Administration. Ele englobou todos os eventos de rampa envolvendo as empresas aéreas comerciais americanas num período de 17 anos, de 1987 a 2003.

Analisando os dados, provenientes de várias fontes, os especialistas reafirmaram que esta questão é uma das mais preponderantes ameaças à Segurança Operacional nos aeroportos. Apesar disto, os entendidos em segurança aérea dizem que a questão não tem nem a atenção dos administradores nem a prioridade que merece no sistema, durante as discussões sobre Segurança Operacional. Para se ter uma idéia da dimensão do problema no âmbito da aviação, só no período que compreendeu o estudo, de 1987 a 2003, as companhias aéreas americanas desembolsaram, em média, 03 bilhões de dólares/ano para fazer frente aos prejuízos causados pelas ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa em todo o país.

Mais de 700 eventos envolvendo 880 aeronaves foram estudados, incluindo 161 acidentes, nos quais 06 destas aeronaves foram totalmente destruídas e outras 132 foram substancialmente danificadas. E para agravar o quadro, houve um total de 18 fatalidades e 149 pessoas feridas, dentre elas 55 com gravidade. E o mais impressionante é que o estudo somente cobriu 2,5% de todos os eventos reportados nestes 17 anos de intervalo. Isto porque a análise foi feita somente com a parcela de dados que registrou as ocorrências mais graves envolvendo as aeronaves norte-americanas, as quais fazem parte de uma gigantesca frota nacional. Algo em torno de 75% dos dados foram tirados do próprio Banco de Dados da FAA, outros 21% do NTSB – National Transport Safety Board e os 04% restantes da OSHA – Occupational Safety and Health Administration dos Estados Unidos. Ressalta-se que esta última instituição, a OSHA, somente considera em seus registros os eventos ocorridos com aeronaves que não têm intenção de voar (em reboque, estacionadas, etc) e que não estejam tripuladas.

As análises mostraram que as principais causas dos eventos são a não aderência dos funcionários às normas e procedimentos e um treinamento inadequado de aeroviários e aeronautas. Segundo os especialistas, todas as ações corretivas, se não forem acompanhadas de uma mudança na Cultura Organizacional de Segurança Operacional das empresas envolvidas com a administração e com a operação aérea e aeroportuária, tornam-se inócuas.

Operações de Rampa
N
os Estados Unidos, a maioria das administrações aeroportuárias delega as ações de Segurança Operacional nas rampas aos arrendatários (terceirizados), transferindo obrigações e especificando o conjunto de responsabilidades em contratos de leasing ou através de outros mecanismos formais.

Geralmente, as grandes empresas aéreas têm seu próprio pessoal de rampa para a execução de atividades como o abastecimento, a limpeza e a reposição do serviço de bordo das aeronaves, o manuseio de cargas e bagagens, a orientação dos veículos e das aeronaves no pátio, o reboque de aviões para os hangares e a execução de pushback (posicionamento da aeronave no pátio para iniciar o taxi-out para decolagem). Contudo, nos aeroportos onde a presença do staff das companhias aéreas é reduzido, estes serviços são executados por outras empresas contratadas.

Tudo isto significa dizer que há uma enorme diversidade de aeronaves, equipamentos, veículos automotores e pessoas disputando tempo e espaço na área de rampa dos aeroportos durante as operações normais do seu dia-a-dia. Para agravar, também há que se incluir neste cenário as equipes-extras de manutenção para serviços maiores, os grupos de policiais federais, os fiscais alfandegários, os funcionários de empresas de construção civil (quando o aeroporto encontra-se em obras) e os agentes de segurança patrimonial e contra atos terroristas que, reunidos neste ambiente, aumentam significativamente a complexidade de uma operação de solo coordenada e segura.

Fatalidades e Ferimentos
Grande parte dos eventos de rampa, os quais envolvem fatalidades e ferimentos graves, acontece durante a movimentação de saída das aeronaves, com destaque acentuado para as ocorrências com os aviões turbo-hélice. Para se ter uma idéia mais apurada da proporção, na contabilização de 30% das saídas, no período estudado, os aviões turbo-hélice envolveram-se em 50% das 18 fatalidades e 38% dos ferimentos graves.

Os dados abaixo mostram o perfil das conseqüências provocadas pelas ocorrências de rampa aos funcionários e aos usuários das empresas aéreas americanas no período estudado:

_________________________________________
PASSAGEIROS
M_02 FL_13 FG_30

PILOTOS
M_01 FL_01 FG_02

COMISSÁRIOS
M_00 FL_05 FG_07

GROUND STAFF
M_15 FL_36 FG_55
_________________________________________
TOTAL
M_18 FL_55 FG_94

1. M = Mortes / FL = Ferimentos Leves / FG = Ferimentos Graves
2. Os dados reproduzem a análise de 727 eventos de rampa no período compreendido entre 1987 e 2003.
3. Fonte: ICAO Journal.

As ocorrências ligadas aos passageiros têm como causas principais o mau posicionamento das escadas nas aeronaves, a desassistência dos usuários nas operações de embarque ou desembarque e a negligência do próprio passageiro durante a sua saída do avião, especialmente quando rejeita auxílio do staff de terra da empresa aérea, estando carregado de bagagens de mão.

Outros eventos, como a colisão dos Jetways (corredores sanfonados de embarque e desembarque) contra partes da aeronave e danos causados a equipamentos e pessoas pelo Jetblast dos motores (jato de ar proveniente da descarga dos motores a jato em funcionamento), também têm lugar de destaque, já que perfazem 5% do total de ocorrências. Este último, o Jetblast, chega a danificar prédios de terminal de passageiros, pequenas aeronaves e veículos automotores, jetways, hangares e contêineres (recipiente de aço para transporte de bagagens e carga nos porões dos aviões), além de ser uma ameaça constante ao pessoal envolvido com as operações de solo.

Conclusão
As áreas de rampa dos aeroportos podem ser locais extremamente congestionados e com espaços bastante confinados. A quantidade e a diversidade de aeronaves, veículos automotores, equipamentos e pessoas concentradas nelas podem criar um cenário vulnerável a eventos aeronáuticos indesejáveis. Tratar estes ambientes com atenção e prioridade, sob ininterrupta observação e governado por regras rígidas de disciplina operacional torna-se tão necessário quanto se pensar em colocar os aviões no ar sem avarias.

Os fatores causais das várias ocorrências observadas no estudo da FAA indica-nos que a Cultura Organizacional das empresas envolvidas também deve ser tratada com prioridade e respeito redobrados. Muitos aeroportos têm populações flutuantes de funcionários e usuários maiores do que as de muitas cidades de pequeno porte ao redor do mundo, o que os faz requerer administrações competentes, conscientizadas e comprometidas com os princípios básicos de Segurança Operacional.

Além disto, uma acurada rede de reporte de eventos, com registro em Banco de Dados confiáveis, torna-se primordial para uma boa análise de tendências, fator que facilita ações pró-ativas e preditivas, as mesmas que antecipam ações corretivas, elevam o alerta situacional do pessoal envolvido nas operações aeroportuárias e elevam a participação na prevenção de eventos indesejáveis, melhora a gerência do risco da atividade e mantém a Segurança Operacional em níveis altos.

Agências reguladoras, administrações aeroportuárias, companhias aéreas, empresas de serviços auxiliares de transporte aéreo e todo o corpo funcional envolvido nas operações aeroportuárias devem se unir para tornar a prevenção de ocorrências de solo, incidentes e acidentes de rampa fatos raros e sem conseqüências nefastas.

A Segurança Operacional depende muito da educação funcional das pessoas e dos administradores. Por isso, mãos a obra! O trabalho preventivo não pode parar.






sábado, 29 de dezembro de 2007

RUNWAY INCURSION

A EUROPA DISSEMINA AS MELHORES PRÁTICAS DE PREVENÇÃO
Desde de novembro de 2004 a ICAO – International Civil Aviation Organization – passou a definir Runway Incursion (Incursão de Pista), para efeito de coleta e análise de dados, como: “Qualquer ocorrência em um aeródromo envolvendo a presença incorreta de uma aeronave, de um veículo ou de uma pessoa na área de proteção da superfície reservada aos pousos e decolagens de aeronaves”.

Com base nos dados de incidentes e acidentes colhidos nos últimos anos e buscando enfocar os fatores causais das Runway Incursions ocorridas no continente, os Estados Europeus estão reimplementando um plano de ação totalmente dirigido para a disseminação dos conceitos de Aviation Safety (Segurança de Vôo) com o objetivo de propagar as melhores práticas de prevenção contra esta ameaça às operações aéreas, enquanto se estuda com mais profundidade como as novas tecnologias podem auxiliar nesta tarefa e como minimizar ainda mais a influência do erro humano nessas indesejáveis ocorrências.

A questão da Runway Incursion sempre foi identificada como uma das mais sérias ameaças à Segurança Operacional na Aviação Civil. E, por isto mesmo, ela é uma preocupação constante dos especialistas, notadamente quando as operações aéreas acontecem em aeroportos congestionados, com pistas de táxi que cruzam as de pouso e decolagem, e que, além disto, ainda apresentem deficiências em termos de controle de tráfego aéreo.

Numa iniciativa para melhorar o nível de Segurança Operacional na Aviação Civil, a Comunidade Européia de Safety fez o Eurocontrol reeditar, revisado, em maio de 2006, o European Action Plan for the Prevention of Runway Incursion – Plano de Ação Europeu para a Prevenção da Runway Incursion, o qual é repleto de recomendações voltadas para a redução de incidentes e acidentes em pistas de pouso e decolagem. Distribuído desde 2003, como resultado de um esforço combinado de organizações representativas de todas as áreas operacionais dos aeroportos, o plano é atualizado periodicamente para se manter efetivo e eficaz.

Como o próprio plano aponta, uma política de segurança para as pistas de pouso e decolagem é um componente vital para a Segurança Operacional nos aeroportos. Além do mais, este tipo de política requer um esforço preventivo contínuo para se acompanhar o crescimento da aviação e evitar que ele aumente o número de ocorrências de Runway Incursion.

Como mostraram os Bancos de Dados europeus de Safety, analisados pelo Eurocontrol, as circunstâncias que rondam uma Runway Incursion diferem consideravelmente. Entretanto, elas surgem freqüentemente em função de uma complexa mistura de fatores contribuintes. Entre os fatores mais presentes estão os relacionados com a deficiência na comunicação entre pilotos e condutores de veículos que circulam nos aeródromos com os controladores de tráfego aéreo.

Em outros tempos, quando não eram freqüentes as pesquisas e análises dos Bancos de Dados, acreditava-se que Runway Incursions eram provocadas pela simples queda ou perda do alerta situacional dos profissionais envolvidos. Contudo, as pesquisas mostraram que a redução na qualidade e na precisão da comunicação entre o controle de tráfego aéreo e os outros atores do cenário operacional de um aeroporto é que determina este tipo de incidente ou acidente, levando-se em conta que em mais de 50% dos casos há uma autorização de tráfego válida para que os comandantes de aeronaves e/ou condutores de veículos automotores transitem por áreas próximas ou cruzem as pistas de pouso e decolagem que estão em uso.

Fraseologia fora dos padrões ICAO, mensagens prolixas e complexas, transmissões ambíguas e falhas em prover readbacks (confirmações de entendimento) são situações comumente percebidas nos reportes de incidentes e acidentes, mostrando que isto tudo leva à emissão de comunicações confusas que acabam possibilitando uma Runway Incursion.

Por isto mesmo, o aperfeiçoamento da comunicação operacional no âmbito do aeródromo deve ser uma prioridade, apesar de ser uma questão de difícil implementação pela múltipla subordinação institucional dos atores envolvidos. No Brasil, por exemplo, os pilotos são funcionários das empresas aéreas, os controladores de tráfego aéreo do DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo – e os condutores de veículos na superfície dos aeroportos ou são da INFRAERO ou das próprias empresas aéreas. Muitas vezes, o que é prioridade para uma instituição não o é para outra, dificultando uma ação conjunta.

E, além do mais, não é tão simples como se pensa a introdução de regras e instruções de comunicação para o cumprimento de pessoas, com formações profissionais distintas, e a obtenção imediata de eficiência e eficácia como resultado. Somado à esta questão, as operações em aeródromos são conduzidas num ambiente dinâmico e volátil, o que por vezes também dificulta as melhores práticas de Safety. Há momentos de extrema carga de trabalho, com múltiplas transmissões cruzadas, incompletas ou ininteligíveis, sob condições meteorológicas adversas e com os controladores de tráfego aéreo tendo que, além de fiscalizar todo tipo de manobra na área operacional, planejar as próximas quatro ou cinco ações num curtíssimo espaço de tempo.

Bem, o Plano de Ação Europeu para a Prevenção da Runway Incursion, foco deste artigo, foi desenvolvido por um dinâmico Grupo de Trabalho Europeu, criado em 2002 e ativo até hoje, formado por especialistas em Segurança Operacional e que se faz representar nos principais fóruns de discussão sobre operações em aeródromos. Agindo como uma equipe, estes especialistas trabalham com a premissa de que nenhum grupo de profissionais seja ele de pilotos, de controladores de tráfego aéreo ou de administradores de aeroportos, resolverá isoladamente o complexo problema da Runway Incursion. Até porque eles são profissionais experientes, oriundos da área operacional dos aeroportos, e conhecem bem o dia-a-dia dos problemas vividos pela atividade aérea enquanto operando no cenário aeroportuário, o que não os permite alimentar ilusões ou crenças infundadas com respeito à soluções isoladas para o fim desta ameaça.

O grupo também fez questão de adotar os princípios da Cultura Justa no seu trabalho de equipe, a mesma que não busca por culpados durante as suas análises, pesquisas e investigações. Ao invés disto, o Grupo de Trabalho concentra-se em perseguir os fatores que contribuem para o fechamento da cadeia de eventos que leva ao incidente ou ao acidente. Até mesmo porque, eles bem sabem que se profissionais de alta performance e proficiência cometem qualquer ação equivocada que possibilite uma Runway Incursion, há alguma falha no sistema que permitiu o erro humano e é ela que deve ser identificada e eliminada.

Apoiado pela IFATCA (International Federation of Air Traffic Controllers Association), IATA (International Air Transport Association), ECA (European Cockpit Association), IAOPA (International Council of Aircraft Owner and Pilot Association), IFALPA (International Federation of Air Lines Pilots Association), AEA (Association of European Airlines), ACI (Airports Council International) e ERA (European Regions Airline Association), o Plano de Ação contra Runway Incursion contem mais de 50 recomendações que reconhecem as diferenças entre os vários aeroportos, que vão de pequenos regionais a grandes Hubs (aeroportos distribuidores de vôo) com múltiplas pistas de pousos e decolagens. A página na Internet do Eurocontrol, aberta ao conhecimento público, (www.eurocontrol.int/runwaysafety/public/standard_page/EuropeanAction.html) pode dar uma noção interessante desta diversidade de aeroportos além de possibilitar o acesso ao Plano de Ação.

Sustentam o plano 56 recomendações as quais são endereçadas aos operadores de aeródromos, aos provedores de serviços de navegação aérea, às empresas aéreas e a outros operadores de aeronaves, além dos órgãos reguladores, dentre outros.

Os princípios fundamentais baseam-se na crença de que:

· As normas providas pela ICAO são adequadas para todas as tarefas associadas às ações preventivas de Runway Incursion;
· A aviação é uma indústria global e na prática há problemas que irão acompanhar as variações regionais;
· O preparo das tripulações demanda treinamento consistente e previsibilidade no que se refere à aplicação das normas e conceitos propugnados pela ICAO e do que se espera deles;
· No nível aeroportuário, o aumento do grau de Segurança Operacional somente pode se tornar uma realidade se for implementado pelo pessoal da localidade e se forem consideradas e respeitadas as diferenças locais, já que a infraestrutura e a densidade do tráfego aéreo diferem de região para região e devem ser levadas em conta no combate dos problemas associados à Runway Incursion;

No processo de implementação do Plano de Ação, algumas boas práticas têm sido identificadas e foram incorporadas a ele ao longo do tempo. Como exemplo, o que se aprendeu com a experiência prática levou o Grupo de Trabalho Europeu a considerar importante a confirmação da alta direção das empresas aéreas, por escrito, da efetiva implementação das recomendações feitas a elas pelo plano preventivo. Outra questão considerada fundamental é a manutenção de um relacionamento estrito e cordial das administrações aeroportuárias com os Runway Safety Teams (Equipes de Segurança Operacional em Pistas de Pouso e Decolagem), tal qual aqueles grupos de pilotos formados pela IFALPA para serem Aerodrome Liaison Representatives (Representantes de ligação dos pilotos com a administração dos aeroportos), os quais buscam soluções integradas e factíveis.

Além disto, alguns provedores de serviços de navegação aérea têm feito grandes esforços para melhorar o padrão da comunicação entre controladores de tráfego aéreo, pilotos e condutores de veículos das áreas operacionais dos aeroportos. Isto inclui análises regulares das gravações radiotelefônicas para assegurar que todos os atores operacionais do cenário aeroportuário estão utilizando a fraseologia e os procedimentos de comunicação corretos. Concomitantemente, os administradores dos aeroportos estão proporcionando um melhor treinamento compreensivo e sistemático de radiotelefonia aos condutores de veículos das áreas operacionais.

As inspeções e auditorias operacionais de segurança também têm subsidiado as novas ações preventivas, pois os seus relatórios têm se mostrado mais detalhados e voltados também para as questões da prevenção da Runway Incursion. A implementação dos Safety Management Systems – Sistemas de Gerenciamento da Segurança Operacional – também vêm auxiliando este trabalho de uma forma mais organizada, disciplinada e eficaz, pois um dos seus focos mais destacados é o aprimoramento e o cuidado na implantação e no uso correto das ferramentas de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos.

E, por último, os especialistas continuam estudando como a tecnologia pode ajudar nesse trabalho de prevenção, notadamente no aprimoramento dos alarmes e luzes de aviso para alertar pilotos e controladores de tráfego aéreo quanto às ameaças provocadas por ações operacionais inadequadas que estejam em curso próximo às pistas de pouso e decolagem ativas. Entretanto, ainda há vários obstáculos técnicos a serem suplantados para que o uso de novas tecnologias na prevenção de Runway Incursion possa se tornar uma realidade prática.

Enfim, para se obter sucesso na prevenção de Runway Incursions deve-se estar cuidando, diuturnamente, tanto do papel a ser desempenhado pelo homem como o desempenhado pela tecnologia mais moderna no ambiente aeroportuário a fim de que a necessária vigília preventiva não sofra solução de continuidade e permita a presença de qualquer tipo de falha humana ou material, quando menos se espera.

É importante lembrar que o trabalho prevenção de Runway Incursions na Europa é fruto de uma parceria entre empresas aéreas, associação de pilotos, associação de trabalhadores e organismos de Controle de Tráfego Aéreo e Operadores de aeroportos, o que proporciona mais eficácia ao trabalho implementado.

É um bom exemplo a ser seguido, pois somente um esforço conjunto pode levar ao aumento dos níveis globais de Segurança Operacional nos aeroportos.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

RESILIÊNCIA

Um bom caminho para a transposição de dificuldades

INTRODUÇÃO

Anos e mais anos de estudo no ambiente de aviação têm sido dedicados para melhorar o nível das ações de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, e deste trabalho temos retirado vários ensinamentos. Um dos mais freqüentes, e de amplo conhecimento dos que militam no meio, é o de que os eventos indesejáveis na atividade aérea são frutos de uma combinação de fatores. Todavia, um desses fatores, em especial, normalmente é o provocador da cadeia de condições adversas, muitas vezes se apresentando de forma inesperada e surpreendendo os que estão na linha-de-frente das operações aéreas. E se não houver um treinamento adequado para responder a estas surpresas, a situação pode facilitar a ocorrência de incidentes ou acidentes.

Uma outra boa lição, que na aviação é aprendida minuto a minuto, refere-se às inúmeras falhas latentes – falhas ocultas – (vide a teoria do queijo suíço do renomado Professor James Reason, da Manchester University) que permeiam o dia-a-dia de uma companhia aérea. E, por vezes, muitas delas, por mais paradoxal que possa parecer, são conseqüências de períodos prolongados de sucesso empresarial, os quais provocam um certo relaxamento no cumprimento dos preceitos básicos de uma Cultura Produtiva de Segurança Organizacional, levando o corpo funcional a reagir precipitada e/ou indesejavelmente às situações de dificuldade ou emergenciais que se apresentam, por se sentirem vencedores e invulneráveis, ao invés de raciocinar com serenidade e buscar ações pró-ativas frente a elas.

Mas como agir de forma equilibrada quando o mundo parece cair sobre a empresa ou, até mesmo, cair sobre as nossas cabeças, quando trabalhando nela, especialmente após grandes acidentes aeronáuticos, agruras financeiras duradouras, proximidade da venda, fusão ou falência da empresa e outras tantas adversidades passíveis de ocorrer? A resposta é: agir com RESILIÊNCIA.

Nos últimos tempos, a noção de resiliência tem emergido gradualmente como um caminho lógico para suplantar as agruras, aprimorar a avaliação dos riscos de uma atividade e compreender melhor um Sistema de Segurança Operacional. Idéias relacionadas com a resiliência circulam, por vezes mais por vezes menos, no cotidiano das organizações, sem sequer serem percebidas e, por isso mesmo, deixando de ser utilizadas.

Mas o que é, de fato, RESILIÊNCIA?

Bem, resiliência é um processo de adaptação organizacional ou pessoal para se fazer frente, de forma adequada, às adversidades, aos traumas, às tragédias, às ameaças ou, ainda, a algumas outras fontes de estresse, como as prolongadas fases de apertos financeiros. Na verdade, podemos considerar que as pessoas ou empresas nominadas como resilientes são aquelas que sabem se recuperar de grandes impactos negativos, mantendo a crença num futuro melhor.

Pesquisas mostram que a capacidade de ser resiliente pode ser uma coisa bem habitual, mas, de fato, é pouco percebida. Contudo, na prática, mesmo aqueles que dizem possuir alguma informação sobre resiliência, quando surgem momentos críticos, por não a desenvolverem como uma habilidade, não sabem como utilizá-la. E por ser uma habilidade desenvolvida inicialmente por indivíduos, e introduzida nas organizações através de equipes de funcionários bem treinadas, eu advogo a sua inclusão como mais uma skill a ser treinada durante os seminários CRM Company Resource Management, já que hoje este treinamento é mandatório no meio aeronáutico.

Considero o desenvolvimento da resiliência na aviação, como habilidade, tão importante quanto aquele que aguça o alerta situacional, que auxilia na construção da melhor tomada de decisão e que ajuda no desenvolvimento de uma boa comunicação intra e intergrupal. E, na minha opinião, ela não pode faltar nesta extensa lista de habilidades treinadas por um CRM eficaz.

Ser resiliente não representa deixar de experimentar dificuldades ou angústias. Sofrimento emocional e tristeza são comuns nas pessoas, ou nos grupos funcionais, que sejam acometidos por perdas ou traumas importantes. A bem da verdade, o caminho para a resiliência passa, preferencialmente, pelo conhecimento e pelo treinamento de como se envolver com os distúrbios emocionais do ser humano sem se considerar num beco sem saída ou completamente derrotado.

Em suma, a resiliência não é um traço de personalidade que a pessoa tem ou não tem. Resiliência envolve comportamentos, pensamentos e ações que podem ser aprendidas e desenvolvidas por cada indivíduo.

FATORES & ESTRATÉGIAS EM BUSCA DA RESILIÊNCIA

Uma combinação de fatores e estratégias contribui para se adquirir resiliência. Muitos estudos mostram que o fator primário para adquiri-la é a construção de um nível sólido de relacionamentos internos e externos, com base na confiança mútua e na criatividade, de tal forma que eles sejam transferidos para os mais novos e percebidos por eles de maneira positiva dentro de uma Cultura Organizacional, no caso das empresas, ou de uma Cultura Pessoal, no caso dos indivíduos, de forma a impregná-las com o espírito da resiliência.
Os relacionamentos equilibrados criam modelos confiantes de atuação de indivíduos e de equipes, os quais auxiliam na construção de ambientes que encorajam e asseguram o desenvolvimento da resiliência, como habilidade, de uma maneira eficaz.
Alguns fatores & estratégias adicionais são associados à resiliência, incluindo:

Fatores

Ø A capacidade de elaborar planos realistas e factíveis, para evitar frustrações desnecessárias, e buscar perseverança para realiza-los a bom termo;

Ø A manutenção de visões pessoais e organizacionais positivas e confiantes na superação das dificuldades, as quais sempre levem à crença na reconquista do sucesso;

Ø O desenvolvimento constante das habilidades de comunicação e resolução de problemas, e;

Ø A capacidade de gerenciar fortes emoções e a impulsividade.


Estratégias

O desenvolvimento da resiliência é uma jornada pessoal. Indivíduos não reagem da mesma maneira a determinados tipos de traumas ou de eventos pessoais ou grupais altamente estressantes. Nestas horas, uma abordagem baseada na resiliência que funcione com uma pessoa pode não funcionar com outra. Por isso, dependendo da situação, das pessoas ou das empresas, várias estratégias podem ser utilizadas. A maioria delas reflete, normalmente, as diferenças culturais, tornando-as díspares.

As culturas pessoais ou coletivas (as organizacionais são as mais preponderantes) habitualmente têm um impacto significativo na forma de comunicação dos indivíduos ou das empresas – interna ou externamente – e de como eles lidam com situações ou sentimentos adversos. Com o cultivo de uma cultura diversificada, flexível e sensível a qualquer mudança as pessoas ou as organizações desenvolverão a resiliência mais rapidamente e terão acesso a um número maior de abordagens, baseadas nesta habilidade, ao enfrentar qualquer adversidade. Entretanto, deve-se desenvolver a resiliência respeitando-se os traços e limites culturais, de tal maneira que eles possam se transformar em alavancas para a sua própria sedimentação no ambiente que se pretende implementá-la.

ALGUNS CAMINHOS PARA SE CONSTRUIR A RESILIÊNCIA

1. Incentive o bom relacionamento
Bons relacionamentos cultivam confiança e espírito de equipe. E estes são dois importantes ingredientes para o crescimento e a manutenção da resiliência em qualquer ambiente. Aceitar e dar ajuda, ouvir conselhos, fomentar a solidariedade e acreditar que a positividade vence os sentimentos negativos só fortalecem a construção da resiliência.

2. Evite encarar as crises como problemas insuperáveis
Os eventos desfavoráveis e altamente estressantes podem ser vencidos. Mas isto depende de como eles são encarados, interpretados, respondidos e gerenciados. Na verdade, deve-se buscar olhá-los além do momento crítico, a fim de se enxergar as saídas possíveis, as permitidas, as necessárias e as que têm tudo para dar certo, auxiliando-nos a superar as dificuldades presentes e já iniciando a construção de um futuro mais promissor. Há um pensamento popular que diz: “Enquanto há vida há esperança”. É um bom lema para não se desistir nunca.

3. Aceite as mudanças e as adversidades como coisas naturais da vida
Poucas situações têm resultados ou conseqüências tão rápidas no cotidiano das pessoas ou empresas quanto os momentos adversos. Aceitá-los como circunstâncias naturais da vida humana e do cotidiano das empresas pode facilitar no seu enfrentamento de maneira resiliente e equilibrada. No fundo, adversidades podem representar o fim ou o início de ciclos, os quais normalmente provocam mudanças, às vezes bem profundas.

4. Mova-se, sempre, na direção das soluções e dos objetivos principais
Trace e desenvolva soluções e objetivos factíveis. Aja com regularidade na execução de tarefas que o levem ao encontro das soluções dos seus problemas e da conquista dos seus objetivos. Ao invés de manter o foco nas tarefas, considere-as o melhor meio para atingir resultados mais promissores.

5. Tome ações decisivas
Aja com decisão sobre as causas das situações desfavoráveis. Tome e assuma decisões, sempre com o objetivo maior de conquistar dias melhores para você ou para a sua empresa, mesmo que sejam consideradas momentaneamente incômodas. Mas nunca deixe de caminha para frente, ao encontro de soluções factíveis para os seus problemas.


6. Busque novas oportunidades e descobertas
As pessoas e/ou as instituições normalmente aprendem um pouco mais sobre si próprios e/ou aumentam o conhecimento sobre a empresa quando sofrem perdas ou atravessam momentos difíceis. Alguns indivíduos ou empresas com espírito resiliente conseguem vislumbrar oportunidades e descobrir novos caminhos pessoais ou empresariais que os levarão a um futuro de sucesso.

O sofrimento provocado por grandes tragédias pode desencadear melhores condutas - tanto pessoais como organizacionais - fazendo com que os relacionamentos se aprimorem, as percepções se agucem, os conhecimentos aumentem e a informação flua de uma forma tal que as pessoas ou as empresas se tornam mais suscetíveis às oportunidades e à descoberta de novos caminhos.

7. Alimente confiança e positividade
Desenvolva em si próprio, em outras pessoas e na gerência das empresas a confiança e a positividade. A habilidade para resolver problemas passa pela confiança e por uma maneira positiva de agir para combatê-los. Os instintos, sentimentos e pensamentos afirmativos auxiliam em muito na construção de um ambiente resiliente.

8. Mantenha uma visão perspectiva
Mesmo sob sofrimento ou sob os efeitos de eventos traumáticos tente considerar o seu esforço de superação como o melhor meio para vencê-los. Para isto, mantenha uma visão perspectiva que o leve a enxergar o futuro com as dificuldades já superadas. Evite o curto prazo para conquistar o sucesso de novo. Lembre-se de que soluções duradouras normalmente são de médio e longo prazos. Esquive-se de manter os eventos negativos fora das proporções que eles realmente têm.

9. Mantenha a esperança de bons resultados
Olhar as situações sob uma ótica otimista lhe permite esperar bons resultados para as ações que estejam sendo implementadas na busca da superação das dificuldades. Tente visualizar o que você está buscando, independentemente de pensar se o que você (ou sua empresa) está passando é justo ou não. A questão maior é que a esperança é capaz de lhe fazer voar em céu de brigadeiro.

10. Cuide das pessoas e das empresas com responsabilidade
Esteja atento às necessidades das empresas e das pessoas. Tratá-las com responsabilidade é fundamental, pois podem envolver sentimentos e valores considerados importantes e essenciais pelos envolvidos em combater as adversidades ou para a Cultura Organizacional de uma empresa. Saber lidar com a saúde emocional das pessoas ou com a saúde gerencial das empresas torna as superações e as conquistas mais fáceis ou bem menos difíceis.

11. Caminhos alternativos para fortalecer a resiliência são sempre bem-vindos
Buscar meios de ouvir os que passam pelas mesmas dificuldades pode facilitar o encontro de caminhos alternativos para uma superação resiliente das suas adversidades. Há livros, filmes e outros meios de captação de informações sobre a matéria que podem ajudar a solidificar a resiliência na cultura. Algumas pessoas lançam mão de procedimentos como meditação e ajuda religiosa, os quais utilizados com responsabilidade e compromisso podem resgatar a autoconfiança e a esperança de um futuro melhor.


O IMPORTANTE É SEGUIR CAMINHANDO


Para resumir todo o assunto abordado neste texto, proponho que encaremos a resiliência como o faríamos durante a prática de raft, rio abaixo ou rio acima. Nesta hora, uma canoa descendo o rio defronta-se com curvas rápidas, com águas calmas e revoltas, com partes rasas e fundas, com longas quedas d’água, com pedras no caminho e outros obstáculos mais. Mas quem prática este esporte com regularidade mostra firmeza e perseverança para ultrapassá-los. Na vida pessoal ou organizacional ocorre o mesmo: uma heterogeneidade de ocorrências que vai do fracasso ao sucesso, e vice-versa, com a gravidade que o destino determina. E aí entra a resiliência como fator de superação e de conquista de novos triunfos.

Assim sendo, como na prática de raft o conhecimento e a experiência anterior ajudam bastante, na vida real a nossa jornada deve ser conduzida por planejamentos e estratégias que minimizem a possibilidade de algo dar errado. Ser resiliente antes de tudo é ser previdente.

Contudo, rio abaixo ou rio acima, a diferença está em como encaramos a situação: como desafio ou como dificuldade. A RESILIÊNCIA nos leva a encarar as dificuldades como DESAFIOS e, por isso mesmo, os resilientes são, na maioria das vezes, sinônimos de vencedores.

Incluir a resiliência no treinamento CRM em aviação talvez seja uma boa idéia. Afinal, o importante é seguir caminhando, desenvolvendo habilidades para superar as adversidades e as emergências, sempre em favor da Segurança de Vôo.

Espero ter passado um conceito positivo, uma sugestão, um sentimento, uma alternativa...



Fonte:
“THE ROAD TO RESILIENCE”
Uma publicação da American Psychological Association.

domingo, 2 de dezembro de 2007

QUAL A DIFERENÇA ENTRE A FADIGA E A EMBRIAGUEZ?

A Ciência, mais uma vez, avalia a fadiga
Baseado num artigo do Capt. Gavin McKellar - Chairman of IFALPA Accident Analysis Committee

Recentemente, mais um grupo de cientistas, agora australiano, fez uma pesquisa focada nos efeitos da fadiga sobre o ser humano, a qual foi publicada pela Revista TIME. O trabalho constatou que qualquer um que tenha que se manter acordado por 18 horas ou mais atinge um estágio de cansaço tal que passa a ter reações semelhantes a de uma pessoa em estado de embriaguez. Esta situação, transportada para a vida de um tripulante de vôos de longo curso, que seja casado, que tenha filhos menores em idade escolar e que seja responsável por inúmeras tarefas caseiras, torna-se alarmante.

Vamos tomar como exemplo, um piloto internacional que se enquadre no perfil acima descrito e tenha que acordar às 06:00h para levar seu filho ao colégio e permaneça o restante do dia cumprindo afazeres familiares até a hora de sair de casa para tripular um vôo intercontinental, o que normalmente acontece no início da noite.

Considerando que não haja a bordo um ambiente adequado ao repouso, com algum nível ruído e sem uma autogerência eficaz do descanso, feita pelo próprio piloto em questão, ele chegará à Europa ou aos Estados Unidos, após mais de 10 horas de trabalho, e quase 24 de privação do sono. Nestas condições, ele fará parte de uma tripulação que efetuará uma aproximação de precisão em um grande aeroporto, freqüentemente congestionado e algumas vezes sob chuva e neve, totalmente entregue à fadiga e enfrentando condições operacionais desafiadoras e requerentes de uma coordenação físico-mental equilibrada. Segundo o citado estudo australiano, um indivíduo chega neste momento sob condições semelhantes às provocadas pelo estado de embriaguez, sem ter bebido sequer uma gota de álcool. Chega por puro cansaço!

Será que este cenário não é relevante o suficiente para que a indústria leve mais a sério a questão da fadiga no transporte aéreo como fator de ameaça à Segurança de Vôo? Indiscutivelmente, ele o é. E por que não se faz nada? Possivelmente por implicar em novos investimentos relacionados aos lugares reservados para o descanso dos tripulantes a bordo, tornando-os mais adequados, e por ter que se repensar o número de membros das tripulações de longo curso.

Há vários artigos publicados a respeito dos efeitos adversos da bebida alcoólica para a condução de veículos automotores, do stress e, da mesma forma, da fadiga em todos os segmentos do transporte. Todos eles encorajam-nos a agir pró-ativamente na gerência destas questões no dia-a-dia profissional dos que lidam com esta atividade. Afinal, prevenção nunca é demais para a segurança operacional, especialmente quando o assunto é fadiga, dizem nos quatro cantos do mundo os médicos e os cientistas especializados na matéria.

Contudo, não há qualquer movimento pró-ativo e transparente no meio aeronáutico que nos leve a crer que a fadiga passe a ser considerada fator impeditivo para o envolvimento de tripulantes sob esta condição nas operações aéreas. A bem da verdade, este assunto é tão importante que não deveria ser unicamente de responsabilidade dos tripulantes. Pela sua relevância para a Segurança de Vôo, esta responsabilidade deveria ser compartilhada também pelos administradores das empresas aéreas e pelas Autoridades da Aviação Civil, de forma eqüitativa.

Um estudo baseado no banco de dados do Sistema de Reportes de Segurança da NASA revela que a fadiga pode ser considerada causa subjacente em inúmeros incidentes e acidentes aéreos, por ser comumente identificada nestes tipos de reportes.

É certo que a NASA possui o Alertness Management in Flight Operations Report e a AIRBUS o Coping with long range flying recommendations for crew rest and alertness publication. Por que será que estas duas instituições, pra lá de reconhecidas e respeitadas, preocupam-se com o descanso e com o gerenciamento do Alerta Situacional dos indivíduos que voam? A resposta é que, apesar da indústria de aviação proceder a uma resistência invisível para reconhecer a necessidade de se encarar a fadiga como fator de Segurança de Vôo, alguns dos seus segmentos o fazem indiretamente tentando passar instruções aos aeronautas e aeronavegantes para que eles possam gerenciar melhor o seu repouso e as suas condições físico-fisiológiocas para que o Alerta Situacional não seja comprometido durante as operações aéreas. Para mim, é o reconhecimento informal de que a fadiga traz riscos adicionais ao vôo. Falta uma pressão política maior da Comunidade de Segurança de Vôo para conquistarmos o reconhecimento formal.

Os detentores do poder gerencial na aviação devem ser evocados para discutir mais profundamente a matéria, inclusive utilizando os tripulantes como fonte de informações fidedignas para extrair deles todos os dados que possam auxiliar no banimento do estado de fadiga como ameaça à segurança das operações de vôo.

A identificação e o gerenciamento dos riscos no sistema de aviação são aspectos importantes para se garantir uma operação segura. Por isto mesmo, não é adequado o suficiente deixar somente nas mãos de um tripulante o julgamento dos riscos que ele pode agregar a um vôo por gerenciar inadequadamente a sua vida pessoal e o seu descanso. Há que ser uma ação coletiva.

A última dimensão do seminário CRM - Crew Resource Management, através do modelo TEM – Threat and Error Management, procura ensinar a importância do gerenciamento do erro humano e de suas ameaças. Erros ocorrem comumente, mas felizmente somente em algumas ocasiões eles fazem parte da corrente que leva a um acidente, na maioria das vezes por uma falha da equipe de vôo em gerenciar seus próprios erros e as conseqüências decorrentes deles. E a fadiga, por aumentar a probabilidade da incidência de erros humanos, ameaça o reconhecimento destes erros e a oportunidade de mitigá-los.

A privação do sono compromete de tal maneira o raciocínio lógico que o descanso passa a ser uma prioridade tão alta para o indivíduo que qualquer outra atividade que ele esteja fazendo torna-se secundária. E este é o momento de maior ameaça à Segurança de Vôo, quando a fadiga ocorre durante uma operação aérea. Dormir, nestes casos, passa a ser uma questão de sobrevivência. E frente a isto, nada mais importa, passando a ser impossível evitar o desligamento mental das atividades que estejam sendo praticadas.

Divulgam-se muitas estratégias pessoais para que os pilotos gerenciem o seu próprio sono, apesar de, no meu entendimento, todo o sistema de aviação necessite se envolver com esta questão para que a Segurança de Vôo seja privilegiada e haja aderência de todos os envolvidos com as melhores práticas para se evitar a fadiga.

Além disto, o órgão regulador deve assegurar regras claras que sirvam de base para o sistema conhecer como minimizar ou eliminar as conseqüências da falta do sono, auxiliando na construção de uma cultura preventiva relacionada com esta matéria.

O Dr. Robert Helmreich, psicólogo da Universidade do Texas, nos EUA, e chefe da área de pesquisa em Recursos Humanos na Aviação, diz que nas operações aéreas os erros não podem ser investigados somente como falhas humanas, tais como deslizes cognitivos e lapsos de identificação de situações de perigo, como o Professor James Reason, notável psicólogo especialista em aviação da Manchester University, da Inglaterra, cansa de abordar. Na verdade, diz o professor, os erros também (às vezes, principalmente) são decorrentes de problemas de manutenção, de excesso de trabalho imposto pela administração das empresas aéreas, de outras questões organizacionais, de agentes externos, do controle de tráfego aéreo, além da fadiga. Ele afirma que sempre há fatores latentes inseridos nos erros ativos. E tem razão.

Finalizando, quero dizer que a fadiga é um fator importantíssimo em qualquer tipo de atividade, mas no setor de transportes, especialmente na aviação, ela é tão grave que deveria ser apreciada com a constância e com a seriedade que uma ameaça à Segurança de Vôo, que ela pode se tornar, pede.

Espero que a Autoridade Brasileira de Aviação Civil passe a exigir do Sistema de Aviação seminários, congressos e workshops em número suficiente para que este assunto jamais deixe de fazer parte das discussões, tornando-se tema permanente no seio da Comunidade de Segurança de Vôo.

E a comunidade brasileira de Safety precisa pressionar mais para que as coisas aconteçam. Mudar esse quadro é fundamental.

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

O MEIO AMBIENTE E A AVIAÇÃO NO VELHO MUNDO

A Europa já discute a redução na emissão de CO2

A IATA (International Air Transport Association), apesar demonstrar prudência, acolheu a proposta da Comissão Européia para incluir as empresas aéreas no futuro sistema comunitário de comércio de emissões de CO2.

O Sr. Giovani Bisignani, CEO da IATA, condicionou o apoio da entidade a um grande pacote de medidas para a redução de dióxido de carbono na atmosfera européia. Contudo, ele acredita que a aviação do continente pode desempenhar um papel fundamental na redução da emissão de gases, considerando que o setor possui tecnologia e infra-estrutura suficientes para apresentar soluções eficazes para a questão.

De fato, a emissão de CO2 está estreitamente ligada ao consumo de combustível e o transporte aéreo, como um dos setores produtivos que mais queima este insumo, é convocado a auxiliar nas ações para revigorar o meio ambiente. O Sr. Bisignini, comentando o assunto, disse: “...as companhias aéreas, com uma fatura de combustível que representa, em média, 28% dos seus custos operacionais, fazem parte de uma das indústrias que mais incentivam a redução do seu consumo”. E ele tem razão, pois isto é largamente observado no esforço que os fabricantes fazem ao construírem novos aviões com motores cada vez mais econômicos e, por isto mesmo, menos poluidores do ar.

O CEO da IATA ainda lembra que a Europa tem a chance de reduzir as emissões de CO2 em cerca de 12% com a adoção do chamado Céu Europeu Único, com o qual as distâncias serão reduzidas. Ele recordou que “a aviação está trabalhando duramente para reduzir as emissões de gases poluentes. Nos últimos dois anos melhoramos a eficiência em 5%, encurtamos 300 rotas e, com isto, deixamos de emitir seis milhões de toneladas de CO2, apesar do número ideal ainda estar longe de ser atingido, pois é de 12 milhões de toneladas”.

Na verdade, as emissões de CO2 da aviação representam somente 3% do total de 12% que o setor de transportes é responsável. Entretanto, apesar desta baixa participação no total das emissões, “os 240 membros da IATA estão empenhados em melhorar a sua performance ambiental e a desafiar os governos a ir ainda mais longe, visando um crescimento livre de carbono, no médio prazo, e tecnologias sem carbono daqui a 50 anos”, concluiu o Sr. Giovani Bisignani.

A União Européia propõe fixar um teto de permissões de contaminação da atmosfera às companhias aéreas, baseado no nível de emissões registrado em 2004 e 2006. As empresas que superarem o limite terão que comprar direitos suplementares no mercado, iniciativa que poderá ter como conseqüência um aumento de 40 euros no preço dos bilhetes. Esta normativa aplicar-se-á a todos os vôos que decolarem ou pousarem em aeroportos da União Européia, quer sejam de companhias do continente ou as estrangeiras. Com esta atitude a União Européia espera que em 2020 as emissões de CO2 dos aviões tenham sido reduzidas em 183 milhões de toneladas.

A Alemanha anuncia que, inicialmente nos aeroportos de Frankfurt e Munique, introduzirá um componente ligado às emissões de CO2 nas suas taxas de pouso e decolagem, a título experimental e por um período de três anos. Este projeto é desenvolvido em conjunto, entre a Iniciativa Alemã do Transporte em Aeroportos e o Ministério Alemão dos Transportes, que prevê uma taxa de 03 euros por quilo de emissões de *NOx, para todas as empresas aéreas a partir de 01 de janeiro de 2008.

Já Portugal tenta salvar os interesses dos Arquipélagos dos Açores e da Madeira, procurando obter algo diferenciado para estas regiões ultraperiféricas. “Estes arquipélagos dependem totalmente da aviação para contactarem-se com o exterior. Qualquer taxa que penalize um comportamento (como o de poluir) também estará penalizando estas regiões”, explicou o Ministro do Meio Ambiente, Nunes Correia, em entrevista ao jornal Diário Econômico.

Por outro lado, dentro desse espírito de conservação do meio ambiente, e como prova do esforço que está sendo feito pelas empresas aéreas, o CEO da Virgin Airlines, Richard Branson, criou um fundo de energias renováveis no valor de 2.140.000.000 euros. E o CEO da Easyjet, embalado pelo mesmo espírito, propôs que “nenhum avião construído antes de 1990 deve voar a partir de 2012”. Esta afirmação vem ao encontro do objetivo europeu de retirar dos céus cerca de 700 aeronaves, reduzindo a idade média da frota do continente para 22 anos ou menos, e com isto também reduzindo as emissões de CO2.

A Air France e a KLM já tomaram medidas para limitar as conseqüências de suas atividades sobre o meio ambiente. O investimento em novos aviões – entre 1.100.000.000 e 1.500.000.000 euros – melhorará a eficácia energética da frota, reduzirá o consumo de combustível e diminuirá, significativamente, as emissões de CO2 e o nível da poluição sonora.

A British Airways, numa iniciativa interessante, possibilita que os seus passageiros tenham conhecimento do nível de emissão de gases dos seus vôos. Para isto, basta que acessem o endereço eletrônico www.climatecare.org/britishairways/calculators, no qual o usuário pode calcular as emissões geradas pelos aviões que realizaram as suas viagens.

No segmento de jatos executivos, a Netjets Europe anunciou um programa para responder às alterações climáticas, o qual se denomina Netjets Europe Climate Initiative. O programa visa assegurar que as emissões de carbono de todas as atividades da companhia sejam totalmente neutralizadas até 2012. Todos os novos clientes, assim como os atuais que renovem os seus contratos, comprarão créditos que neutralizarão todas as emissões de carbono associadas à utilização dos seus jatos. Como parte deste esforço, a empresa investe fortemente na geração de aeronaves de baixo consumo de combustível, como os Hawker 4000.

Bem, para ser honesto, não espero que no Brasil estejamos pensando neste assunto no curtíssimo prazo, em meio à esta prolongada crise. Entretanto, se desejarmos continuar voando para os países de primeiro mundo, sem contratempos, temos que priorizar a questão do meio ambiente o mais cedo possível. Caso contrário, teremos que pagar um alto preço para pousar e decolar de grandes aeroportos internacionais, especialmente se permitirmos a obsolescência da nossa frota de aviões comerciais, após 2012.

Rezemos para que alguém por aqui comece a pensar o meio ambiente com a atenção que ele merece, porque se esquecermos dele, no final de tudo, quem pagará a parcela mais cara da conta será o usuário, para variar.



*NOx é um símbolo para representar o Nitrogênio Óxido, que é produzido em parte durante a combustão e em parte pela reação entre o oxigênio e o nitrogênio na atmosfera.