sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

RESILIÊNCIA

Um bom caminho para a transposição de dificuldades

INTRODUÇÃO

Anos e mais anos de estudo no ambiente de aviação têm sido dedicados para melhorar o nível das ações de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, e deste trabalho temos retirado vários ensinamentos. Um dos mais freqüentes, e de amplo conhecimento dos que militam no meio, é o de que os eventos indesejáveis na atividade aérea são frutos de uma combinação de fatores. Todavia, um desses fatores, em especial, normalmente é o provocador da cadeia de condições adversas, muitas vezes se apresentando de forma inesperada e surpreendendo os que estão na linha-de-frente das operações aéreas. E se não houver um treinamento adequado para responder a estas surpresas, a situação pode facilitar a ocorrência de incidentes ou acidentes.

Uma outra boa lição, que na aviação é aprendida minuto a minuto, refere-se às inúmeras falhas latentes – falhas ocultas – (vide a teoria do queijo suíço do renomado Professor James Reason, da Manchester University) que permeiam o dia-a-dia de uma companhia aérea. E, por vezes, muitas delas, por mais paradoxal que possa parecer, são conseqüências de períodos prolongados de sucesso empresarial, os quais provocam um certo relaxamento no cumprimento dos preceitos básicos de uma Cultura Produtiva de Segurança Organizacional, levando o corpo funcional a reagir precipitada e/ou indesejavelmente às situações de dificuldade ou emergenciais que se apresentam, por se sentirem vencedores e invulneráveis, ao invés de raciocinar com serenidade e buscar ações pró-ativas frente a elas.

Mas como agir de forma equilibrada quando o mundo parece cair sobre a empresa ou, até mesmo, cair sobre as nossas cabeças, quando trabalhando nela, especialmente após grandes acidentes aeronáuticos, agruras financeiras duradouras, proximidade da venda, fusão ou falência da empresa e outras tantas adversidades passíveis de ocorrer? A resposta é: agir com RESILIÊNCIA.

Nos últimos tempos, a noção de resiliência tem emergido gradualmente como um caminho lógico para suplantar as agruras, aprimorar a avaliação dos riscos de uma atividade e compreender melhor um Sistema de Segurança Operacional. Idéias relacionadas com a resiliência circulam, por vezes mais por vezes menos, no cotidiano das organizações, sem sequer serem percebidas e, por isso mesmo, deixando de ser utilizadas.

Mas o que é, de fato, RESILIÊNCIA?

Bem, resiliência é um processo de adaptação organizacional ou pessoal para se fazer frente, de forma adequada, às adversidades, aos traumas, às tragédias, às ameaças ou, ainda, a algumas outras fontes de estresse, como as prolongadas fases de apertos financeiros. Na verdade, podemos considerar que as pessoas ou empresas nominadas como resilientes são aquelas que sabem se recuperar de grandes impactos negativos, mantendo a crença num futuro melhor.

Pesquisas mostram que a capacidade de ser resiliente pode ser uma coisa bem habitual, mas, de fato, é pouco percebida. Contudo, na prática, mesmo aqueles que dizem possuir alguma informação sobre resiliência, quando surgem momentos críticos, por não a desenvolverem como uma habilidade, não sabem como utilizá-la. E por ser uma habilidade desenvolvida inicialmente por indivíduos, e introduzida nas organizações através de equipes de funcionários bem treinadas, eu advogo a sua inclusão como mais uma skill a ser treinada durante os seminários CRM Company Resource Management, já que hoje este treinamento é mandatório no meio aeronáutico.

Considero o desenvolvimento da resiliência na aviação, como habilidade, tão importante quanto aquele que aguça o alerta situacional, que auxilia na construção da melhor tomada de decisão e que ajuda no desenvolvimento de uma boa comunicação intra e intergrupal. E, na minha opinião, ela não pode faltar nesta extensa lista de habilidades treinadas por um CRM eficaz.

Ser resiliente não representa deixar de experimentar dificuldades ou angústias. Sofrimento emocional e tristeza são comuns nas pessoas, ou nos grupos funcionais, que sejam acometidos por perdas ou traumas importantes. A bem da verdade, o caminho para a resiliência passa, preferencialmente, pelo conhecimento e pelo treinamento de como se envolver com os distúrbios emocionais do ser humano sem se considerar num beco sem saída ou completamente derrotado.

Em suma, a resiliência não é um traço de personalidade que a pessoa tem ou não tem. Resiliência envolve comportamentos, pensamentos e ações que podem ser aprendidas e desenvolvidas por cada indivíduo.

FATORES & ESTRATÉGIAS EM BUSCA DA RESILIÊNCIA

Uma combinação de fatores e estratégias contribui para se adquirir resiliência. Muitos estudos mostram que o fator primário para adquiri-la é a construção de um nível sólido de relacionamentos internos e externos, com base na confiança mútua e na criatividade, de tal forma que eles sejam transferidos para os mais novos e percebidos por eles de maneira positiva dentro de uma Cultura Organizacional, no caso das empresas, ou de uma Cultura Pessoal, no caso dos indivíduos, de forma a impregná-las com o espírito da resiliência.
Os relacionamentos equilibrados criam modelos confiantes de atuação de indivíduos e de equipes, os quais auxiliam na construção de ambientes que encorajam e asseguram o desenvolvimento da resiliência, como habilidade, de uma maneira eficaz.
Alguns fatores & estratégias adicionais são associados à resiliência, incluindo:

Fatores

Ø A capacidade de elaborar planos realistas e factíveis, para evitar frustrações desnecessárias, e buscar perseverança para realiza-los a bom termo;

Ø A manutenção de visões pessoais e organizacionais positivas e confiantes na superação das dificuldades, as quais sempre levem à crença na reconquista do sucesso;

Ø O desenvolvimento constante das habilidades de comunicação e resolução de problemas, e;

Ø A capacidade de gerenciar fortes emoções e a impulsividade.


Estratégias

O desenvolvimento da resiliência é uma jornada pessoal. Indivíduos não reagem da mesma maneira a determinados tipos de traumas ou de eventos pessoais ou grupais altamente estressantes. Nestas horas, uma abordagem baseada na resiliência que funcione com uma pessoa pode não funcionar com outra. Por isso, dependendo da situação, das pessoas ou das empresas, várias estratégias podem ser utilizadas. A maioria delas reflete, normalmente, as diferenças culturais, tornando-as díspares.

As culturas pessoais ou coletivas (as organizacionais são as mais preponderantes) habitualmente têm um impacto significativo na forma de comunicação dos indivíduos ou das empresas – interna ou externamente – e de como eles lidam com situações ou sentimentos adversos. Com o cultivo de uma cultura diversificada, flexível e sensível a qualquer mudança as pessoas ou as organizações desenvolverão a resiliência mais rapidamente e terão acesso a um número maior de abordagens, baseadas nesta habilidade, ao enfrentar qualquer adversidade. Entretanto, deve-se desenvolver a resiliência respeitando-se os traços e limites culturais, de tal maneira que eles possam se transformar em alavancas para a sua própria sedimentação no ambiente que se pretende implementá-la.

ALGUNS CAMINHOS PARA SE CONSTRUIR A RESILIÊNCIA

1. Incentive o bom relacionamento
Bons relacionamentos cultivam confiança e espírito de equipe. E estes são dois importantes ingredientes para o crescimento e a manutenção da resiliência em qualquer ambiente. Aceitar e dar ajuda, ouvir conselhos, fomentar a solidariedade e acreditar que a positividade vence os sentimentos negativos só fortalecem a construção da resiliência.

2. Evite encarar as crises como problemas insuperáveis
Os eventos desfavoráveis e altamente estressantes podem ser vencidos. Mas isto depende de como eles são encarados, interpretados, respondidos e gerenciados. Na verdade, deve-se buscar olhá-los além do momento crítico, a fim de se enxergar as saídas possíveis, as permitidas, as necessárias e as que têm tudo para dar certo, auxiliando-nos a superar as dificuldades presentes e já iniciando a construção de um futuro mais promissor. Há um pensamento popular que diz: “Enquanto há vida há esperança”. É um bom lema para não se desistir nunca.

3. Aceite as mudanças e as adversidades como coisas naturais da vida
Poucas situações têm resultados ou conseqüências tão rápidas no cotidiano das pessoas ou empresas quanto os momentos adversos. Aceitá-los como circunstâncias naturais da vida humana e do cotidiano das empresas pode facilitar no seu enfrentamento de maneira resiliente e equilibrada. No fundo, adversidades podem representar o fim ou o início de ciclos, os quais normalmente provocam mudanças, às vezes bem profundas.

4. Mova-se, sempre, na direção das soluções e dos objetivos principais
Trace e desenvolva soluções e objetivos factíveis. Aja com regularidade na execução de tarefas que o levem ao encontro das soluções dos seus problemas e da conquista dos seus objetivos. Ao invés de manter o foco nas tarefas, considere-as o melhor meio para atingir resultados mais promissores.

5. Tome ações decisivas
Aja com decisão sobre as causas das situações desfavoráveis. Tome e assuma decisões, sempre com o objetivo maior de conquistar dias melhores para você ou para a sua empresa, mesmo que sejam consideradas momentaneamente incômodas. Mas nunca deixe de caminha para frente, ao encontro de soluções factíveis para os seus problemas.


6. Busque novas oportunidades e descobertas
As pessoas e/ou as instituições normalmente aprendem um pouco mais sobre si próprios e/ou aumentam o conhecimento sobre a empresa quando sofrem perdas ou atravessam momentos difíceis. Alguns indivíduos ou empresas com espírito resiliente conseguem vislumbrar oportunidades e descobrir novos caminhos pessoais ou empresariais que os levarão a um futuro de sucesso.

O sofrimento provocado por grandes tragédias pode desencadear melhores condutas - tanto pessoais como organizacionais - fazendo com que os relacionamentos se aprimorem, as percepções se agucem, os conhecimentos aumentem e a informação flua de uma forma tal que as pessoas ou as empresas se tornam mais suscetíveis às oportunidades e à descoberta de novos caminhos.

7. Alimente confiança e positividade
Desenvolva em si próprio, em outras pessoas e na gerência das empresas a confiança e a positividade. A habilidade para resolver problemas passa pela confiança e por uma maneira positiva de agir para combatê-los. Os instintos, sentimentos e pensamentos afirmativos auxiliam em muito na construção de um ambiente resiliente.

8. Mantenha uma visão perspectiva
Mesmo sob sofrimento ou sob os efeitos de eventos traumáticos tente considerar o seu esforço de superação como o melhor meio para vencê-los. Para isto, mantenha uma visão perspectiva que o leve a enxergar o futuro com as dificuldades já superadas. Evite o curto prazo para conquistar o sucesso de novo. Lembre-se de que soluções duradouras normalmente são de médio e longo prazos. Esquive-se de manter os eventos negativos fora das proporções que eles realmente têm.

9. Mantenha a esperança de bons resultados
Olhar as situações sob uma ótica otimista lhe permite esperar bons resultados para as ações que estejam sendo implementadas na busca da superação das dificuldades. Tente visualizar o que você está buscando, independentemente de pensar se o que você (ou sua empresa) está passando é justo ou não. A questão maior é que a esperança é capaz de lhe fazer voar em céu de brigadeiro.

10. Cuide das pessoas e das empresas com responsabilidade
Esteja atento às necessidades das empresas e das pessoas. Tratá-las com responsabilidade é fundamental, pois podem envolver sentimentos e valores considerados importantes e essenciais pelos envolvidos em combater as adversidades ou para a Cultura Organizacional de uma empresa. Saber lidar com a saúde emocional das pessoas ou com a saúde gerencial das empresas torna as superações e as conquistas mais fáceis ou bem menos difíceis.

11. Caminhos alternativos para fortalecer a resiliência são sempre bem-vindos
Buscar meios de ouvir os que passam pelas mesmas dificuldades pode facilitar o encontro de caminhos alternativos para uma superação resiliente das suas adversidades. Há livros, filmes e outros meios de captação de informações sobre a matéria que podem ajudar a solidificar a resiliência na cultura. Algumas pessoas lançam mão de procedimentos como meditação e ajuda religiosa, os quais utilizados com responsabilidade e compromisso podem resgatar a autoconfiança e a esperança de um futuro melhor.


O IMPORTANTE É SEGUIR CAMINHANDO


Para resumir todo o assunto abordado neste texto, proponho que encaremos a resiliência como o faríamos durante a prática de raft, rio abaixo ou rio acima. Nesta hora, uma canoa descendo o rio defronta-se com curvas rápidas, com águas calmas e revoltas, com partes rasas e fundas, com longas quedas d’água, com pedras no caminho e outros obstáculos mais. Mas quem prática este esporte com regularidade mostra firmeza e perseverança para ultrapassá-los. Na vida pessoal ou organizacional ocorre o mesmo: uma heterogeneidade de ocorrências que vai do fracasso ao sucesso, e vice-versa, com a gravidade que o destino determina. E aí entra a resiliência como fator de superação e de conquista de novos triunfos.

Assim sendo, como na prática de raft o conhecimento e a experiência anterior ajudam bastante, na vida real a nossa jornada deve ser conduzida por planejamentos e estratégias que minimizem a possibilidade de algo dar errado. Ser resiliente antes de tudo é ser previdente.

Contudo, rio abaixo ou rio acima, a diferença está em como encaramos a situação: como desafio ou como dificuldade. A RESILIÊNCIA nos leva a encarar as dificuldades como DESAFIOS e, por isso mesmo, os resilientes são, na maioria das vezes, sinônimos de vencedores.

Incluir a resiliência no treinamento CRM em aviação talvez seja uma boa idéia. Afinal, o importante é seguir caminhando, desenvolvendo habilidades para superar as adversidades e as emergências, sempre em favor da Segurança de Vôo.

Espero ter passado um conceito positivo, uma sugestão, um sentimento, uma alternativa...



Fonte:
“THE ROAD TO RESILIENCE”
Uma publicação da American Psychological Association.

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