segunda-feira, 3 de março de 2008

AUDITORIAS DE SEGURANÇA OPERACIONAL DA ICAO

A HORA E A VEZ DO DEVER DE CASA
por Célio Eugênio


A Conferência de Diretores Gerais de Aviação Civil, ocorrida em Montreal em março de 2006, patrocinada pela ICAO (International Civil Aviation Administration), teve entre os seus objetivos principais a formulação de uma estratégia global para a Segurança da Aviação Civil no Século 21. A aceitação de uma ferramenta mais acurada de aferição do nível de Segurança Operacional tomou corpo e vulto na Conferência, especialmente porque há países nos quais a prática da vigilância operacional ainda não tem muito eco.

Como conseqüência desse evento, a maioria dos signatários da Convenção de Chicago de 1944, membros da ICAO, responderam positivamente à proposta de se divulgar no portal público desta organização internacional, na Internet, o Programa de Auditorias Universais de Supervisão da Segurança Operacional (Universal Safety Oversight Audit Programme – USOAP) e seus resultados.

Como a transparência e o intercâmbio de informações de safety são atributos fundamentais para se manter um sistema de transporte aéreo seguro e eficiente, esta atitude dos Estados-membros veio somar-se ao esforço de aprimoramento do Sistema de Aviação Civil Internacional.

É certo que a divulgação dos resultados das auditorias da ICAO, levadas a cabo ao redor do mundo, vai expor as mazelas dos que não cumprem o que recomenda a organização. Mas, na verdade, caro leitor, não se pode mais ser complacente com baixos índices de Segurança Operacional, independentemente da importância política do país no contexto global, da sua posição geográfica e das suas condições econômicas para manter seu espaço aéreo, notadamente se este espaço aéreo for de relevância internacional e controle um grande fluxo de aeronaves.

O fortíssimo crescimento da Aviação Civil nos últimos anos vem requerendo, cada vez mais, bons planejamentos, inteligência ao implantá-los, disciplina na condução dos procedimentos operacionais e uma boa gama de determinação e de ousadia na execução de programas de prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, de treinamento, de capacitação continuada e de processos que garantam a supervisão do sistema.

Apesar de uma Auditoria Universal de Supervisão da Segurança Operacional ser efetiva na identificação e promoção de ações corretivas sistêmicas, ela não deve ser vista como um fim em si mesma. Igualmente importante é o desenvolvimento da habilidade em promover os melhoramentos recomendados por ela. A alocação de recursos para remediar os problemas processuais sistêmicos, por exemplo, deve ser avaliada e controlada cuidadosamente, tendo em vista que a desproporcionalidade no montante financeiro e no capital humano a serem aplicados para as correções apontadas poderá agravar a situação ao invés de aperfeiçoá-la.

Processos incompletos e programas e projetos parcialmente realizados são, normalmente, introdutores de patologias administrativo-operacionais em qualquer Sistema de Aviação Civil, por trazerem a ele solução de continuidade e dificultarem a construção de uma infra-estrutura de apoio adequada à demanda da aviação do país, o que geralmente compromete a Segurança Operacional.

Atualmente, a experiência da implantação do SMS – Safety Management System – na indústria de aviação tem demonstrado que este é um bom caminho para se conquistar efetividade nas ações de segurança.

Alguns organismos de regulação e fiscalização da Aviação Civil, de países-membros da ICAO, vêm melhorando o seu desempenho ao utilizarem o SMS para buscar meios de aperfeiçoamento e otimização da sua força de trabalho, que muitas vezes por ser reduzida não consegue exercer a melhor supervisão sistêmica.

Na verdade, o SMS melhora o nível de supervisão porque é um caminho promissor para se obter cooperação e comprometimento dos elos do sistema com o nível de Segurança Operacional, em função da responsabilidade de cada um deles com o cumprimento de tarefas, muito pelo fato de bem entenderem a filosofia do sistema e o impacto que suas ações podem causar no resultado final desejado por ele.

Infelizmente, o Brasil ainda encontra-se atrasado no que se refere à implantação do SMS nos vários segmentos do seu Sistema de Aviação Civil. Há que existir uma significativa disposição coletiva para que, num curto espaço de tempo, possamos implantar o SMS de maneira sistêmica e ordenada. Isto para que, a partir daí, passemos a ter condições de gerenciar melhor a Segurança Operacional na nossa indústria de aviação, tornando-a plenamente cumpridora dos requerimentos da ICAO. É preciso contaminar o sistema com um choque de disposição gerencial.

Atualmente, é preciso rever os planejamentos, projetos e processos do setor aéreo global, ajustando-os à realidade e à velocidade de mudança que ele tem se imposto, notadamente no que se refere à intensidade de mão-de-obra, de capital e de tecnologia.

Não cabe mais o “não saber” com a quantidade e a qualidade das informações disponíveis no dia-a-dia da aviação. Menos ainda está cabendo o “não fazer” num Sistema de Aviação Civil que almeje ser de ponta: seguro, eficaz, econômico, de baixo custo e que atenda as cobranças de um usuário cada vez mais exigente.

E para atender a esta demanda diferenciada, os administradores do sistema têm que se modificar a ponto de vivenciar uma gestão mais ágil e moderna do negócio-aviação, a qual englobe uma gerência de risco aperfeiçoada e capaz de manter os índices de Segurança Operacional controlados, conforme propõe um SMS eficiente.

Não dá mais para sermos dramaticamente lembrados das deficiências sistêmicas da Aviação Civil somente por ocasião de acidentes fatais que ocorram mundo afora. E o mais triste é que, muitas vezes, os problemas que levam às tragédias aéreas já foram apontados anteriormente por auditorias da ICAO, notadamente no que tange às falhas latentes, organizacionais e sistêmicas.

Os Sistemas de Aviação Civil não precisam ceifar mais vidas, que poderiam ser poupadas, para passar a acreditar que somente as melhores práticas administrativo-operacionais os levarão a manter os níveis de Segurança Operacional dentro de limites aceitáveis.

Enfim, é hora de todos os países-membros da ICAO fazerem o seu dever de casa, implantando Safety Management Systems comprometidos com a prevenção de incidentes e acidentes aeronáuticos, ou ainda teremos que lamentar, por um longo tempo, perdas materiais e humanas passíveis de serem evitadas.

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